“O proibicionismo somente se sustenta pelo entorpecimento da razão.
Somente uma razão entorpecida pode crer que a criminalização das condutas de produtores, distribuidores e consumidores de algumas dentre as inúmeras substâncias psicoativas, artificialmente selecionadas para serem objeto da proibição, sirva para deter uma busca de meios de alteração do psiquismo, que deita raízes na própria história da humanidade.
Somente uma razão entorpecida pode admitir que, em troca de uma ilusória contenção desta busca, o próprio Estado fomente a violência, que só se faz presente nas atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas porque seu mercado é ilegal.
Somente uma razão entorpecida pode autorizar que, sob este mesmo ilusório pretexto, se imponham restrições à liberdade de quem, eventualmente, queira causar um dano à sua própria saúde.
Somente uma razão entorpecida pode conciliar com uma expansão do poder de punir, que, crescentemente desrespeitando clássicos princípios garantidores, ameaça os próprios fundamentos do Estado de direito democrático.
Já é hora, pois, de recobrar a razão e romper com o proibicionismo. Já é hora de propor e efetivar uma ampla reformulação das Convenções internacionais e das legislações internas dos Estados nacionais, para legalizar a produção, a distribuição e o consumo de todas as substâncias psicoativas e matérias primas para sua produção, regulando-se tais atividades com a instituição de formas racionais de controle, verdadeiramente comprometidas com a promoção da saúde pública, respeitosas da dignidade e do bem-estar de todos os indivíduos, livres da danosa intervenção do sistema penal.”
Maria Lúcia Karam, jurista
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