PRONUNCIAMENTO PÚBLICO DO CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
– CEDECA RIO DE JANEIRO –
Â
“EM DEFESA, INCONDICIONAL, DA VIDA COM DIGNIDADE, DAS POLÃTICAS PÚBLICAS DE “ATENÇÃO CONTINUADA†A CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RUA, A FAVOR DO ACOLHIMENTO E CONTRA O RECOLHIMENTOâ€
“Nenhum tipo de violência é justificável
e todo tipo de violência é evitávelâ€
 (ONU, Estudo Mundial sobre Violência contra Crianças)
Â
Â
O CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – CEDECA RIO DE JANEIRO, filiado a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED -Seção DCI Brasil, coerente com a sua missão, reitera sua posição radical na defesa da vida como parte fundamental pela consolidação da democracia e do respeito à dignidade humana.
Vem a público REPUDIAR as ações da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro em operações realizadas com a presença ostensiva da polÃcia no desenvolvimento de “RECOLHIMENTO E INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA†de população de rua e a de dependentes quÃmicos, em especial crianças e adolescentes, nas chamadas “cracolândiasâ€.
Entendemos que o fenômeno de crianças e adolescentes em situação de rua (vulneráveis a abusos, inclusive abuso sexual e outras formas de exploração) é um reflexo do intenso processo de exclusão, e que esse problema deve ser enfrentado pelo Estado, Sociedade e pela FamÃlia. Com medidas efetivas e apropriadas para assegurar que crianças e adolescentes de rua tenham acesso à educação, ao abrigo e aos serviços de saúde.
Inicialmente, é importante esclarecer o seguinte:
1. A Prefeitura do Rio de Janeiro foi CONDENADA em três Ações Civis Públicas propostas no ano de 2002 pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (com trânsito em julgado, não cabendo mais qualquer recurso).
Na primeira ação a Prefeitura foi condenada a ampliar a Rede de Saúde Mental Infanto-juvenil (Centros de Atenção Psicossocial – CAPSi; Centros de Atenção Psicossocial Ãlcool e Drogas – CAPS AD, ampliação de leitos em hospitais gerais e ambulatórios).
Â
Na segunda ação a Prefeitura foi condenada a promover programas de assistência integral à saúde e o acolhimento de crianças e adolescente em situação de rua (tratamento médico, matricula em escola, profissionalização…), inserir a famÃlia em programa de promoção e orientação; dotar os abrigos de condições estruturais de modo a atender as normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
E na terceira ação a Prefeitura foi condenada a alocar em creches 10829 crianças que estão em filas de espera, até o mês de fevereiro de 2004 sob pena de multa diária ou matrÃcula em creches particulares a expensas do MunicÃpio. Condenação do MunicÃpio a suprir a demanda reprimida prestando o serviço público de educação em creches e pré-escolas para toda e qualquer criança de zero a seis anos de idade em condição de igualdade, cujos pais desejem matriculá-las sob pena de multa diária.
2. A Prefeitura investe pouco em PolÃticas Sociais e Estruturação dos Conselhos Tutelares
De acordo com estudos do Fórum Popular do Orçamento, baseado em dados oficiais (prestações de contas de 2002 a 2010), o MunicÃpio do Rio de Janeiro aplicou em média apenas 3% de seu orçamento em Assistência Social e Direitos da Cidadania.
O baixo percentual é refletido no Plano Plurianual quando analisamos o Programa “Enfrentamento ao uso e abuso do crack e outras substâncias psicoativasâ€, pois consta como planejamento o tratamento de 12 crianças e adolescentes nas casas vivas para 2011 e 2012. Em audiência pública realizada em 2011 o atual secretário de Assistência Social Rodrigo Bethlem, afirmou que hoje existem 76 vagas, número observado no ano de 2010.
Â
“Setenta e seis é o número de vagas que temos. Hoje, temos 76 vagas em três convênios: um para crianças e dois para adolescentes. São 76 vagas de internação em três abrigos distintos, um para crianças e dois para adolescentes, um para adolescentes meninas e outro para adolescentes meninos.â€
(Secretario de Assistência Social – Rodrigo Bethlem – audiência pública CMRJ. Fonte: Diário Oficial do MunicÃpio do Rio de Janeiro, 30/05/2011, p. 22)
O programa “Enfrentamento ao uso e abuso do crack e outras substâncias psicoativas†apresenta os seguintes produtos:
Produtos |
2010 |
2011 |
2012 |
|
|
Previsão |
Execução |
Previsão |
Previsão |
Crianças e adolescente abordado |
1500 |
0 |
Não Consta |
Não Consta |
Criança e adolescente tratado nas casas vivas |
76 |
78 |
12 |
12 |
Criança e adolescente atendido/embaixada da liberdade |
100 |
109 |
1.440 |
1.440 |
Â
Nota 1: Para 2011, o programa prevê atender, segundo a LDO, 1452 crianças. Equivale a R$ 1501,07 por criança no ano de 2011. R$ 125/ mês
Nota 2: Para 2010 o projeto atendeu, segundo a LDO, 1676 crianças. Equivale a R$ 1284,07 reais por criança. R$ 107/mês
Fonte: Fórum Popular do Orçamento
Transcrevemos a seguir trechos da audiência pública realizada pela Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara Municipal do Rio de Janeiro[1]
“Outro produto: “Criança e adolescente abordado, crack e substâncias psicoativas.” A previsão em 2010 era de 1.500 crianças e adolescentes abordados. A execução em 2010 foi zero. Em 2011 e 2012 não consta previsão para isso. Em 2013 tem 1.500, para dar um resultado final de 4.500, que, evidentemente, já foi comprometido porque não temos meta nenhuma para isso. É algo complicado, porque o crack é o grande problema que hoje esta Cidade enfrenta.†(Vereadora Andrea Gouveia, audiência pública CMRJ. Fonte: Diário Oficial do MunicÃpio do Rio de Janeiro, 30/05/2011, p. 22)
“Bom, só para explicar a questão de 2010. Em 2010 não existia um programa especÃfico para os convênios que nós conversamos aqui, anteriormente, especÃficos para tratamento de usuários de crack. Então, no que tange esses convênios para crianças e adolescentes, eles foram utilizados, os recursos do 3028. Por isso, essa meta ficou em 78. Em 2011, isso, orçamentariamente, já foi desdobrado. Você tem o programa especÃfico para os convênios de dependentes de crack, o que nós falamos aqui, anteriormente. E nós temos no 3028, especificamente, a questão da Casa-viva, que a meta em 2011 seriam de doze metas, nós já vamos começar com trinta metas. Nós estamos aumentando o número de metas, já, em virtude do que nós temos encontrado nas ruas da Cidade. A gente vê que a Cidade tem as suas… A Cidade não é estática. A Cidade vai tendo os seus desdobramentos e a gente precisa estar atento a isso. E na medida do possÃvel ir adequando os nossos programas para atender melhor a população. Então, nós estamos começando agora, a partir de amanhã, com trinta metas e não doze metas.†(Secretario de Assistência Social – Rodrigo Bethlem – audiência pública CMRJ. Fonte: Diário Oficial do MunicÃpio do Rio de Janeiro, 30/05/2011, p. 23)
“Então, a gente não pode ter atendido em 2010, a execução do Casa-viva em 2010, não pode ter sido setenta e oito, isto está errado na prestação de contas! Por favor! Então, o produto estava escrito errado! Porque o produto é: “Criança e adolescente tratados nas Casas-vivas”. Se as Casas-vivas não existiam em 2010, isso aqui não deveria estar aqui. Isso é uma coisa.
A segunda coisa. Produto 3236 – Criança e Adolescente atendidos em Embaixada da Liberdade. Previsão para 2010: 100. Execução de 2010: 109. Beleza! Atendemos mais do que o previsto! Previsão para 2011: 1440. Só que não vai ter mais Embaixada da Liberdade!†(Vereadora Andrea Gouveia, audiência pública CMRJ. Fonte: Diário Oficial do MunicÃpio do Rio de Janeiro, 30/05/2011, p. 22)
Os programas “Enfrentamento ao uso de Crack†e “Conselho Tutelar†tiveram um orçamento de mais de R$ 4 milhões, entretanto apenas 66% foram utilizados.
Para 2011 o orçamento previsto é 20% menor.
Orçamento
2010 |
2011 |
||
Previsto | Liquidado | Previsto | |
Enfrentamento ao Uso de Crack | 3.493.519,26 | 2.072.493,84 | 2.293.640,26
|
Conselho Tutelar | 916.895,54
|
845.582,31 | 1.224.227,87 |
Nota 1: Para 2011, o programa prevê atender, segundo a LOA, 1528 crianças. Equivale a R$ 1501,07 por criança no ano de 2011. R$ 125/ mês
Â
Nota 2: Para 2010 o projeto atendeu, segundo o PPA, 1614 crianças. Equivale a R$ 1284,07 reais por criança. R$ 107/mês
Fonte: Fórum Popular do Orçamento
3. A Prefeitura não respeita a Deliberação nº 763/09 do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que institui a PolÃtica de Atendimento à s Crianças e aos Adolescentes em Situação de Rua;
4. A Prefeitura desconsidera todo o acúmulo do trabalho da saúde mental municipal e estadual.
5. A saúde mental do MunicÃpio do Rio de Janeiro deu parecer desfavorável ao aluguel do imóvel onde funciona a “Casa Vivaâ€, por não ser um local adequado para funcionamento do projeto (casa com três andares, sem área verde, beliches), número de leitos acima do previsto no projeto original de 12 para 30 leitos.
5. A Prefeitura aprovou a Resolução da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) Nº 20 DE 27 DE MAIO DE 2011 (Cria e Regulamenta o Protocolo do Serviço Especializado em Abordagem Social), cujo art. 5º afronta direitos e garantis constitucionais:
“Art. 5º – São considerados procedimentos do Serviço Especializado em Abordagem Social, devendo ser realizados pelas equipes dos CREAS/Equipe Técnica/Equipe de Educadores:  (…)
XV – acompanhar todos os adolescentes abordados à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente – DPCA, para verificação de existência de mandado de busca e apreensão e após acompanhá-los à Central de Recepção para acolhimento emergencial; (…)
§3º A criança e o adolescente que esteja nitidamente sob a influência do uso de drogas afetando o seu desenvolvimento integral, será avaliado por uma equipe multidisciplinar e, diagnosticada a necessidade de tratamento para recuperação, o mesmo deverá ser mantido abrigado em serviço especializado de forma compulsória. A unidade de acolhimento deverá comunicar ao Conselho Tutelar e à Vara da Infância, Juventude e Idoso, todos os casos de crianças acolhidos.
§4º Não obstante o previsto nos §§ 2º e 3º deste artigo, a criança e o adolescente acolhidos no perÃodo noturno, independente de estarem ou não sob a influência do uso de drogas, também deverão ser mantidos abrigados/acolhidos de forma compulsória, com o objetivo de garantir sua integridade fÃsica.â€
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, ao realizar “abordagem social†sob o pretexto de salvaguardar a integridade fÃsica e a saúde de usuários ou não do crack, apreende de forma humilhante e constrangedora, para supostos fins de “averiguação†(por suspeita ou precaução), TODAS as crianças e adolescentes em situação de rua, que são levadas para a DELEGACIA onde tem seus dados levantados.
Essa ação tÃpica do Estado de exceção vem sendo feita, de modo à “espetacularizar†o evento através da participação direta da mÃdia, o que faz com que a opinião pública passe a acreditar que esta é uma ação válida e única possÃvel.
Os adolescentes em situação de rua e usuários de crack que tem mandado de busca são encaminhados ao sistema socioeducativo, permanecendo “presos†sem que lhes seja garantido o direito a tratamento de sua saúde.
O Instituto Padre Severino – IPS (unidade de internação provisória do DEGASE) no último mês dobrou o número de adolescentes internados a partir das chamadas operações de recolhimento. Com capacidade para 156 adolescentes, o IPS está no mÃnimo com 250 adolescentes.
Constituição da República Federativa do Brasil:
“art. 5º LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em leiâ€.
Lei Federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente)
“Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.â€
Â
Â
DO ASPECTO CLÃNICO  DA “INTERNAÇÃO COMPULSÓRIAâ€
Â
O aspecto clÃnico da ação da Prefeitura é totalmente desprovido de significado, isto porque sabemos que não há processo “mágico†no tratamento de drogas e outras substâncias que afetam o sistema nervoso central. A fase da adolescência, como uma etapa da vida, requer formas de aproximação cuidadosas e inclusivas, requer dar aos adolescentes o direito de serem escutados sem juÃzo de valor, em conversas informais, longe de uma platéia de milhões de espectadores da TV Globo. Ou seja, é preciso humanizar e singular a abordagem, antes de qualquer outra ação.
Nesse aspecto a Resolução da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) Nº 20 infringe a Lei Federal 10.216 de 2001, Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, que tem como premissa a proteção da saúde mental e deve-se efetivar através de medidas que contribuam para assegurar ou restabelecer o equilÃbrio psÃquico dos indivÃduos, para favorecer o desenvolvimento das capacidades envolvidas na construção da personalidade e para promover a sua integração crÃtica no meio social em que vive. Esta lei reverte à concepção do internamento como princÃpio basilar para o tratamento de doenças psiquiátricas.
Violando ainda a Lei Federal nº 11.343, de 2006, que no art. 5, inciso I, determina que a assistência possa “contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilÃcito e outros comportamentos correlacionadosâ€.
Dentre seus princÃpios básicos, pode-se ler no artigo 22, inciso II que as atividades de atenção deverão considerar “a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas peculiaridades socioculturaisâ€.
Por fim, no art. 28, determina penalidades para quem traficar drogas, com o cuidado no § 2o “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e à s condições em que se desenvolveu a ação, à s circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.â€
DA SITUAÇÃO DAS UNIDADES DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DA PREFEITURA
Â
O que se vê na prática que os programas de acolhimento institucional da Prefeitura são pauperizados de recursos, fÃsicos, humanos e materiais. As instalações mais se parecem com “prisões†dos antigos internatos de menores; os profissionais não recebem capacitação e supervisão para lidar com os problemas diversificados de cada criança e adolescente que recebem, tendo que lidar com sua saúde mental por contra própria; os educadores, terceirizados, têm um salário aviltante, sem nenhum dos benefÃcios trabalhistas. Recentes mudanças administrativas levaram a SMAS a reduzir o número de educadores, ferindo a proporção de acolhidos/profissionais determinada pelos Conselhos de Direitos Nacional e Municipal.
PROPOSTAS:
Rio de Janeiro, 08 de julho de 2011.
Diretoria, Associad@s e Equipe do CEDECA RIO DE JANEIRO
Referências:
(http://www.crprj.org.br/noticias/2011/0622-praticas_de_recolhimento_compulsorio.html)
Para aderir ao Pronunciamento, envie uma mensagem para o email: cedecarj@cedecarj.org.br indicando nome completo, documento de identidade, instituição/organização e cidade.
[1] Audiência Pública realizada no dia 23 de maio de 2011 com objetivo de analisar o Projeto de Lei 910/2011, que dispõe sobre as diretrizes orçamentárias para o exercÃcio financeiro de 2012
CEDECA – RIO DE JANEIRO (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente)
Avenida General Justo, 275 Sala 317-A, Bloco B – Castelo – 20.021-130 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
website: www.cedecarj.org.br  e-mail: cedecarj@cedecarj.org.br  skype: cedeca.rj  Telefone: (55 21) 3091-4666
Apoio:
VIC – Vlaams Internationaal Centrum e
Stichting Sint Martinus – Nederland
Filiado à ANCED – Asssociação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Seção DCI Brasil)