• Home
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
  • Podcast
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Podcast
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
Outubro 20, 2011

As cadeias do Parque da Juventude, por Karina Biondi

Por Karina Biondi

Caros Amigos

É muito comum ouvirmos vozes que atribuem o fracasso das prisões brasileiras a uma “falta de Estado”. Dizem que onde o Estado não se faz presente, outras formas de regulação da vida social entram em cena; que os criminosos ocupam o espaço que deveria ser ocupado pelo Estado; que o vazio de poder provocado pela omissão ou incapacidade do Estado acaba por ser preenchido por outras formas de poder, não estatais, não legais, não legítimas, criminosas. Ao se lançar tais afirmações, esquece-se que nunca se está mais dentro do Estado do que numa prisão. É Estado por todo lado! É ele que abre e fecha as celas. É ele quem dita o que se come. Ele define o que entra e o que não entra na prisão. É ele quem seleciona as pessoas que os presos podem ver e aquelas que só os verão quando ele sair. Ele é quem revista minuciosamente as visitantes despidas e revira os alimentos por elas levados. Estado que impede a entrada de jornais e revistas em unidades prisionais paulistas. Estado que mantém os presos longe dos livros, das escolas e das urnas.

Há de se duvidar de aparentes vazios. Ainda mais quando o espaço que aparenta estar vazio é um campo de batalhas. Aliás, qual espaço não o é? Basta ajustar o foco, regular as lentes, para alcançar a escala em que se dão os embates. Ao se apontar para um vazio de poder, o que se está fazendo é revelar a deficiência da visão. Afirmar que há falta de Estado em uma prisão é cometer um enorme equívoco. Se a questão fosse de dosagem, o problema seria mais de excesso do que de falta de Estado. É a sua força que impediu, nas últimas eleições, que presos que não tinham suas condenações em última instância exercessem o direito constitucional ao voto. Dentre os critérios definidos para dizer quem votaria (talvez o critério mais importante) é a ocorrência de rebeliões. Já se rebelou? Então não pode votar! Justamente não podem votar aqueles que já se mostraram – nas rebeliões e motins – descontentes com o Estado. Isso, definitivamente, é a imagem da presença do Estado e não de sua ausência.

Mas há algo que torna isso ainda mais evidente: a Casa de Detenção do Carandiru. Ela foi inaugurada na década de 1920 como um presídio-modelo, com capacidade para 1.200 homens. Ao longo de sua história, chegou a abrigar quase 8.000 presos e ser considerado o maior presídio da América Latina. Em 1992, um episódio daria início a processos que tiveram importantes conseqüências no universo prisional paulista. Uma intervenção policial com o propósito de dar fim à rebelião instaurada no Pavilhão 9 resultou na morte de 111 detentos, no que ficara conhecido como “Massacre do Carandiru”. Entre o “Massacre” e a desativação do presídio, em 2002, ocorreu um crescimento vertiginoso da população carcerária, simultâneo à transferência desta população para prisões construídas longe dos grandes centros. A partir da desativação da Casa de Detenção, os passageiros do metrô de São Paulo não mais avistaram detentos nas janelas de suas celas, as unidades prisionais deixaram de ser cenário do cotidiano da maioria dos paulistanos, delegacias não mais abrigavam presos que ofereciam perigo aos seus vizinhos. Por mais que o número de presos aumentasse, eles não estavam mais sob os olhos da população paulistana.

Eis a ilusão do vazio. Não é porque não vemos, não é porque as coisas ocorrem longe de nossos olhos, que elas não existem. Embora o prédio tenha sido demolido, o universo que a Casa de Detenção guardava não deixou de existir. Pelo contrário, se expandiu e se intensificou. Está mais vivo do que nunca. Daí que a ausência da prisão nesse espaço não significa simplesmente ausência de prisão, mas sim a força em jogo para mantê-la longe de nossos olhos, para escondê-la de nós. O Parque da Juventude, longe de expressar o fim dos horrores da Casa de Detenção, é a expressão da política carcerária do Estado.

Se o surgimento da Casa de Detenção do Carandiru trouxe os presos à luz do positivismo, sua desativação leva novamente para a escuridão aqueles que cumprem penas. Não se trata de um retorno à masmorra, embora muitas das práticas punitivas atuais – como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) – possuam traços semelhantes. Aliás, é no RDD que encontramos a máxima expressão de um novo tipo de poder que recai sobre os prisioneiros. Trata-se, como esboçou o antropólogo Adalton Marques, de um poder contentivo, que não tem mais como centro de suas preocupações exibir punições exemplares, efetuar ortopedia social ou, ainda, controlar essa população. Busca-se, agora, contê-la. Conter o som estridente de suas vozes. Conter a imagem aterrorizante de seu sofrimento. Conter o perigo de seu pensamento. Ao preso, não é mais permitido pensar, falar ou ser visto. Se alguma dessas expressões escapa das forças contentivas, o caso é tratado como um vazamento do que deveria estar contido, como um problema de segurança pública.

Um dos perigos de se falar em falta de Estado está na evidência e na certeza de seu remédio. Se o problema é falta de Estado, o remédio é mais Estado. Há de se fechar mais, de se revistar mais, de se prender mais, de se isolar mais. A prisão continua sendo remédio para seu fracasso, como já diagnosticou Foucault. A prisão é um fracasso? Deve ser porque não está sendo bem executada. Está deixando brechas. É falta de Estado. A solução? A reforma da prisão, de modo que não deixe brechas. Mais Estado. Mais prisão. E assim caminhamos, por mais de 150 anos.

As atuais propostas de reforma são as mesmas que foram colocadas em meados de 1850: classificação dos presos de acordo com os delitos, progressão das penas, trabalho, educação, especialização dos funcionários, transformação dos presos e reinserção deles à sociedade. Nada de novo, a não ser a sugestão de que um serviço privado possa dar conta de todos os problemas. Privatização? O exemplo dos EUA, a maior população carcerária do mundo, não nos basta? Encarcerar se tornou, lá, um negócio lucrativo. Quanto mais presos, mais as empresas ganham. É isso que se quer? Quer-se uma prisão cujo projeto nasceu junto com sua proposta de reforma? De nada adianta fazer ajustes ou dar continuidade à reforma que vem sendo feita há mais de 150 anos.

Mas mesmo assim, mesmo que rearranjada, que reformulada, que fracassada, a prisão continua aparecendo como a prática punitiva por excelência. E hoje, mais do que nunca. A questão que coloco é: podemos romper com esse modelo? É viável adotar outras práticas punitivas? É possível que as penas alternativas deixem de ser apenas alternativas? Ou, se considerarmos que a prisão como prática punitiva está inteiramente consonante com o mundo atual, seríamos capazes de uma ruptura radical, não só do modo de punir, mas do modo de enxergar, conceber e de pensar as coisas?

 

Karina Biondi é doutoranda em Antropologia Social na UFSCar com apoio da FAPESP e é autora de “Junto e Misturado: uma etnografia do PCC” (Editora Terceiro Nome, 2010)

 

Uma versão preliminar deste texto foi apresentada em evento em memória aos 18 anos do “Massacre do Carandiru”, organizado pelo “Grupo do Trecho” como parte do “Projeto Ausências”

Comments

comments

Nos ajude a melhorar o sítio! Caso repare um erro, notifique para nós!

Recent Posts

  • NOV 26 NÓS SOMOS OS 43 – Ação de solidariedade a Ayotzinapa
  • Quem foi a primeira mulher a usar LSD
  • Cloroquina, crack e tratamentos de morte
  • Polícia abre inquérito em perseguição política contra A Craco Resiste
  • Um jeito de plantar maconha (dentro de casa)

Recent Comments

  1. DAR – Desentorpecendo A Razão em Guerras às drogas: a consolidação de um Estado racista
  2. No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime em No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime
  3. DAR – Desentorpecendo A Razão – Um canceriano sem lar. em “Espetáculo de liberdade”: Marcha da Maconha SP deixou saudade!
  4. 10 motivos para legalizar a maconha – Verão da Lata em Visitei um clube canábico no Uruguai e devia ter ficado por lá
  5. Argyreia Nervosa e Redução de Danos – RD com Logan em Anvisa anuncia proibição da Sálvia Divinorum e do LSA

Archives

  • Março 2022
  • Dezembro 2021
  • Setembro 2021
  • Agosto 2021
  • Julho 2021
  • Maio 2021
  • Abril 2021
  • Março 2021
  • Fevereiro 2021
  • Janeiro 2021
  • Dezembro 2020
  • Novembro 2020
  • Outubro 2020
  • Setembro 2020
  • Agosto 2020
  • Julho 2020
  • Junho 2020
  • Março 2019
  • Setembro 2018
  • Junho 2018
  • Maio 2018
  • Abril 2018
  • Março 2018
  • Fevereiro 2018
  • Dezembro 2017
  • Novembro 2017
  • Outubro 2017
  • Agosto 2017
  • Julho 2017
  • Junho 2017
  • Maio 2017
  • Abril 2017
  • Março 2017
  • Janeiro 2017
  • Dezembro 2016
  • Novembro 2016
  • Setembro 2016
  • Agosto 2016
  • Julho 2016
  • Junho 2016
  • Maio 2016
  • Abril 2016
  • Março 2016
  • Fevereiro 2016
  • Janeiro 2016
  • Dezembro 2015
  • Novembro 2015
  • Outubro 2015
  • Setembro 2015
  • Agosto 2015
  • Julho 2015
  • Junho 2015
  • Maio 2015
  • Abril 2015
  • Março 2015
  • Fevereiro 2015
  • Janeiro 2015
  • Dezembro 2014
  • Novembro 2014
  • Outubro 2014
  • Setembro 2014
  • Agosto 2014
  • Julho 2014
  • Junho 2014
  • Maio 2014
  • Abril 2014
  • Março 2014
  • Fevereiro 2014
  • Janeiro 2014
  • Dezembro 2013
  • Novembro 2013
  • Outubro 2013
  • Setembro 2013
  • Agosto 2013
  • Julho 2013
  • Junho 2013
  • Maio 2013
  • Abril 2013
  • Março 2013
  • Fevereiro 2013
  • Janeiro 2013
  • Dezembro 2012
  • Novembro 2012
  • Outubro 2012
  • Setembro 2012
  • Agosto 2012
  • Julho 2012
  • Junho 2012
  • Maio 2012
  • Abril 2012
  • Março 2012
  • Fevereiro 2012
  • Janeiro 2012
  • Dezembro 2011
  • Novembro 2011
  • Outubro 2011
  • Setembro 2011
  • Agosto 2011
  • Julho 2011
  • Junho 2011
  • Maio 2011
  • Abril 2011
  • Março 2011
  • Fevereiro 2011
  • Janeiro 2011
  • Dezembro 2010
  • Novembro 2010
  • Outubro 2010
  • Setembro 2010
  • Agosto 2010
  • Julho 2010
  • Junho 2010
  • Maio 2010
  • Abril 2010
  • Março 2010
  • Fevereiro 2010
  • Janeiro 2010
  • Dezembro 2009
  • Novembro 2009
  • Outubro 2009
  • Setembro 2009
  • Agosto 2009
  • Julho 2009

Categories

  • Abre a roda
  • Abusos da polí­cia
  • Antiproibicionismo
  • Cartas na mesa
  • Criminalização da pobreza
  • Cultura
  • Cultura pra DAR
  • DAR – Conteúdo próprio
  • Destaque 01
  • Destaque 02
  • Dica Do DAR
  • Direitos Humanos
  • Entrevistas
  • Eventos
  • Galerias de fotos
  • História
  • Internacional
  • Justiça
  • Marcha da Maconha
  • Medicina
  • Mídia/Notí­cias
  • Mí­dia
  • Podcast
  • Polí­tica
  • Redução de Danos
  • Saúde
  • Saúde Mental
  • Segurança
  • Sem tema
  • Sistema Carcerário
  • Traduções
  • Uncategorized
  • Vídeos