Domingo, 22 de janeiro de 2012, 6h da manhã, São José dos Campos (SP). Milhares de homens, mulheres, crianças e idosos moradores da ocupação Pinheirinho são surpreendidos por um cerco formado por helicópteros, carros blindados e mais de 1.800 homens armados da PolÃcia Militar. Além de terem sido interditadas as saÃdas da ocupação, foram cortados água, luz e telefone, e a ordem era que famÃlias se recolhessem para dar inÃcio ao processo de retirada. Determinados a resistir — já que a reintegração de posse havia sido suspensa na sexta feira – os moradores não aceitaram o comando, dando inÃcio a uma situação dramaticamente violenta que se prolongou durante todo o dia e que teve como resultado famÃlias desabrigadas, pessoas feridas, detenções e rumores, inclusive, sobre a existência de mortos.
Nos últimos 08 anos, os moradores da ocupação lutam pela sua permanência na área. Ao longo desse tempo, eles buscaram firmar acordos com instâncias governamentais para que fosse promovida a regularização fundiária da comunidade, contando para isto com o fato de que o terreno tem uma dÃvida milionária de IPTU com a prefeitura. O terreno pertence à massa falida da empresa Selecta, cujo proprietário é o especulador financeiro Naji Nahas, já investigado e temporariamente preso pela PolÃcia Federal na operação Satiagraha. No fim da semana, várias foram as idas e vindas judiciais favoráveis e contrárias à reintegração, assim como as tratativas entre governo federal, prefeitura, governo de Estado e parlamentares para encontrar uma saÃda pacÃfica para o conflito.Com o processo de negociação em curso e com posicionamentos contraditórios da Justiça, o governo do Estado decide armar uma operação de guerra para encerrar o assunto.
08 de novembro de 2011, 05h10 da manhã, Cidade Universitária, São Paulo.Um policial aponta a arma para uma estudante de braços levantados, a tropa de choque entra no prédio e arromba portas (mesmo depois de a polÃcia já estar lá dentro), sem deixar ninguém mais entrar (nem a imprensa, diga-se de passagem), nem sair, tudo com muita truculência. Este foi o inÃcio do processo de desocupação da Reitoria da Universidade de São Paulo, ocupada por estudantes em protesto à presença da PM no Campus. Os estudantes são surpreendidos por um cerco formado pela tropa de choque e cavalaria, totalizando mais de 300 integrantes da PolÃcia Militar. Depois de horas de ação violenta, são retirados do prédio e levados presos mais de 73 estudantes. Camburão e helicópteros acompanham a ação.
O que estes três episódios recentes e lamentáveis têm em comum?
Os três eventos envolvem conflitos na gestão e ocupação do território. Os três são situações complexas, que demandariam um conjunto de polÃticas de curto, médio e longo prazo para serem enfrentados. Os três requerem um esforço enorme de mediação e negociação.
Entretanto, qual é a resposta para esta complexidade conflituosa? A violência, a supressão do diálogo, o acirramento do conflito.
Alguém poderia dizer — mas por quê os ocupantes do Pinheirinho resistiram? Por que não saÃram imediatamente, evitando os feridos e as feridas da confrontação?
Porque sabem que, para quem foi “desocupado†ou†lacrado†nestas e outras reintegrações e “limpezasâ€, sobra a condição de sem-teto. Ou seja, para quem promoveu a reintegração ou a limpeza, o fundamental é ter o local vazio, e não o destino de quem estava lá, muitos menos as razões que levaram aquelas pessoas a estar lá naquela condição e seu enfrentamento e resolução. “Resolver†a questão é simplesmente fazer desaparecer o “problema†da paisagem.
Mais grave ainda, nestas situações a suposta “ilegalidade†( ocupação de terra/uso de drogas) é motivo suficiente para promover todo e qualquer tipo de violação de leis e direitos em nome da ordem, em um retrocesso vergonhoso dos avanços da democracia no paÃs.
Texto publicado originalmente no Yahoo! Colunistas.