Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro |
A ocupação das favelas da Rocinha e do Vidigal pela polÃcia, em novembro de 2011, não afetou o preço da maconha comprada no “asfalto†da zona sul. Era dessas duas comunidades que vinha a maior parte da droga comprada por consumidores de classe média da área nobre do Rio.
Rocinha e Vidigal, até então dominadas pelo tráfico, remanesciam até novembro como as duas únicas comunidades sob controle do crime desde o inÃcio do programa das Unidades de PolÃcia Pacificadora (UPPs). O Vidigal recebeu uma UPP este mês; a da Rocinha está prevista para março.
Curiosamente, porém, o mercado parece ignorar e contrariar uma dos mais conhecidos conceitos da economia, a lei da oferta e da procura. Com menos oferta disponÃvel e de fácil acesso e a mesma demanda, seria natural imaginar que o preço da droga dispararia. Não foi o que ocorreu, como o iG apurou, com usuários frequentes, policiais e especialistas no tema.
“Não teve diferença, nenhuma alteração de preço. Não houve aumento nem impacto da ocupação da Rocinhaâ€, afirmou um consumidor habitual de maconha, que pediu para não ser identificado.
O “peso†de 25 gramas de erva prensada, medida padrão da venda de maconha, sai, em média, por R$ 150 – em alguns lugares, varia de R$ 100, R$ 130 a até R$ 200, dependendo da qualidade. Também é vendida a droga em tabletes de 50 gramas.
Diferentemente do morro, onde a maconha é vendida em quantidades pequenas para consumo imediato – em sacos plásticos a R$ 1, R$ 2, R$ 5, R$ 10 e R$ 15 –, na “pista†os compradores optam por adquirir quantidades maiores, que garantem mais tempo de consumo e diminuem as ocasiões e riscos de uma “dura†da polÃcia.
“Delivery†de droga é prioridade da PolÃcia Civil
Sobre a mesa, 112 kg de maconha apreendidos na Rocinha após a ocupação, em novembro
O comércio ilegal no “asfalto†tem diversas modalidades, mas a predominante é a do “deliveryâ€, em que o comprador encomenda a droga ao vendedor por telefone e é combinado o ponto de encontro para a entrega. Pontos de aglomeração de gente, como o Baixo Gávea e a Lapa, por exemplo, também muitas vezes funcionam para aqueles que não tem o contato de traficantes “deliveryâ€.
Para a delegada da PolÃcia Civil Valéria de Aragão Sádio, que assumiu recentemente a chefia da DCOD (Delegacia de Combate à s Drogas), esse tipo de tráfico “é uma prioridadeâ€. “É muito importante (combater). Com as UPPs, o tráfico tende a ir para o asfalto. Vamos precisar atuar mais na área de inteligência. Vou bater em cima disso e de drogas sintéticasâ€, disse Valéria, que conta com uma equipe de 58 policiais.
Na opinião de um usuário entrevistado, se a polÃcia de fato priorizar o vendedor do “asfaltoâ€, isso se refletirá em um aumento no preço. Ele contou ter um amigo que continua a comprar a droga diretamente na Rocinha, mesmo dois meses após a ocupação. “Ainda há o tráfico local, obviamente discreto. O preço é um terço do que se paga na rua. Quem não conhecia antes (da ocupação) talvez não encontre a droga lá, mas quem já era antigo comprador já tem os caminhos, não perde o fio da meada.â€
A maior parte dos fornecedores da “pista†compra a droga em favelas, de acordo com um experiente investigador que atuou em inúmeras operações de repressão a traficantes do “asfaltoâ€.
Esses criminosos são, em geral, homens de classe média, entre 20 e 40 anos, moram sozinhos e tem carro ou moto, usados para o transporte do seu produto ilegal. Em sua tese de mestrado na UFRJ, “Fazendo o doze na pista: um estudo do mercado ilegal de drogas na classe médiaâ€, a pesquisadora Carolina Grillo conta que esses vendedores atuam desarmados e baseados em suas relações pessoais.
Frequentemente começam na atividade ilegal porque tem “contexto†– contato – com um traficante e veem a oportunidade de lucrar com o intermédio para conhecidos.
Sem o controle territorial de favela e a proteção das armas, porém, esses traficantes são mais vulneráveis à s investidas policiais. “Se grampear o telefone dele, está ‘morto’. Tem de dar essa sorte. Tem cara que envereda por isso e entrega ‘bagulho’ o dia inteiroâ€, contou o inspetor. Segundo ele, muitas vezes quem delata o telefone do comerciante é o pai de algum cliente, inconformado com o vÃcio do filho.
Maconha do asfalto é de melhor qualidade
Na opinião de um policial civil, as UPPs dificultaram o negócio da droga nas favelas, uma vez que a presença da PM nas comunidades obriga os traficantes a agir de forma muito mais discreta, para evitar o flagrante.
Antes, os criminosos não se preocupavam em se esconder e circulavam livremente com armas e drogas. As “bocas de fumo†ficavam em lugares visÃveis e de fácil acesso, como espécie de lojas, justamente para atrair os consumidores eventuais.
Como a Secretaria de Segurança admite, as UPPs não acabaram com a venda de drogas, mas eliminaram o tráfico ostensivamente armado.
Evidentemente, porém, as apreensões de drogas na Rocinha – ao menos 138kg de maconha, 196kg de cocaÃna, e 60kg de pasta base – e de armas – 176, sendo 73 fuzis – e a presença ostensiva e permanente da PM nessas áreas desencoraja criminosos a agir, reduzindo assim substancialmente a droga nos morros.
Para Carolina Grillo, o consumidor de varejo nas favelas, em quantidade menor, não é o mesmo dos traficantes de classe média.
Em sua opinião, “os clientes dissuadidos de ir à favela (pela presença de UPPs) tenderiam a recrutar mais ‘aviões’ para subir até a boca por eles, como mototáxis, guardadores de carro, prostitutas, ou migrar para os chamados ‘esticas’ de boca de fumo, em bares do asfalto, e pontos mais ou menos identificáveis que funcionam na ‘pista’â€.