Em carta ao Escritório de Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR), a Nintendo, a gigante dos videogames, apresentou uma interessante contribuição para a revisão anual das violações aos direitos de propriedade intelectual de empresas americanas: embora admita que o campeão na pirataria de jogos com mais de 5 milhões de cópias ilegais baixadas pela internet são os próprios Estados Unidos, a empresa pede que o Brasil, que aparece em oitavo lugar entre os que mais pirateiam jogos, permaneça na “lista de observação” – de paÃses que merecem maior pressão para melhorar a proteção à propriedade intelectual.
O esforço de companhias americanas para continuar pressionando o Brasil por mais regras de controle da propriedade intelectual já era esperado pelas indústrias brasileiras, sabedoras do interesse das grandes companhias internacionais em fortalecer seus direitos de monopólio sobre fabricação e comercialização de produtos em um mercado tão promissor quanto o brasileiro. O que não se esperava, e se materializou na semana anterior ao Carnaval, era um pedido para passar o Brasil da lista de observação à lista “prioritária” de paÃses abertamente violadores de direitos.
Foi a Pharma, associação das grandes companhias farmacêuticas dos EUA, que pediu para o Brasil tratamento de inimigo das garantias a patentes e outros direitos similares. Enquanto a ação da Nintendo exibe as contradições do sistema americano, que condena outros paÃses por não controlar o que é incontrolável no próprio território dos EUA, a ação dos laboratórios americanos equivale a uma declaração de guerra. Apesar de todos os esforços do governo brasileiro e do setor privado, as farmacêuticas americanas parecem crer que só ameaças e represálias ao Brasil tornarão as leis e a ação policial brasileiras compatÃveis com seus interesses.
As empresas brasileiras não pensam assim, conforme explicitam em documento de 33 páginas entregues ao USTR, com um inventário das iniciativas tomadas pelo Brasil para tornar o paÃs mais amistoso aos detentores de patentes, marcas e outros direitos de autor. Já se foi o tempo em que autoridades e empresários consideravam a propriedade intelectual um obstáculo ao desenvolvimento, argumenta o texto patrocinado por diversas associações empresariais, entre elas a Coalizão Industrial Brasileira, a CNI e a Fiesp.
Os industriais brasileiros com interesses nos Estados Unidos reuniram uma impressionante lista de iniciativas do governo brasileiro e da sociedade civil para garantir a proteção adequada aos detentores de direitos vinculados à invenção e inovação. Além das 17 leis diretamente tratando do assunto, aprovadas desde 1995, o Brasil analisa dez projetos sobre o tema, cinco deles apresentados no ano passado. Além destes, a reforma da lei de copyright deve, em breve, ser levada ao Congresso.
De 2006 até o ano passado, o prazo médio de concessão de patente pelo INPI caiu em 53%, para pouco mais de cinco anos e o governo contratou funcionários, fez convênios internacionais e investiu em equipamentos para aperfeiçoar o processo e reduzir esse prazo a no máximo quatro anos até 2015; são crescentes as apreensões de produtos piratas (R$ 1,5 bilhão só em 2011) e constantes as campanhas para mostrar os danos, como a ameaça à saúde, dos produtos falsificados ou vendidos ilegalmente.
O documento da Nintendo ao USTR mostra que nem a maior potência do mundo tem poder para deter a força transgressora da internet, mas o quadro descrito pela indústria brasileira, de firme compromisso com o combate à pirataria e a defesa da propriedade intelectual, é uma realidade no Brasil.
Certos argumentos da Pharma, como a recusa em aceitar um papel para a Anvisa na liberação de medicamentos, também desmontados pelas informações do documento da indústria brasileira, mostram que está em jogo muito mais que a defesa da propriedade intelectual. A ação legal do Brasil em defesa dos medicamentos genéricos e de seu programa anti-Aids, por exemplo, é atacada com falácias pela grande indústria dos EUA, que tenta igualar iniciativas legÃtimas nesse campo à pirataria.
Apoiado pela indústria, o Brasil deve aproveitar as boas relações com o governo Obama e rechaçar com veemência a ameaça de retaliações comerciais buscada por algumas companhias desejosas de impor ao governo brasileiro agendas que nada têm a ver com a necessária proteção aos direitos de inventores e inovadores.