“Me contem, me contem aonde eles se escondem?
atrás de leis que não favorecem vocês
então por que não resolvem de uma vez:
ponham as cartas na mesa e discutam essas leis†Planet Hemp
A seção Cartas na mesa é composta por opiniões de leitores e membros do DAR acerca das drogas, de seus efeitos polÃtico-sociais e de sua proibição, e também de suas experiências pessoais e relatos sobre a forma com que se relacionam com elas. Vale tudo, em qualquer formato e tamanho, desde que você não esteja aqui para reforçar o proibicionismo! Caso queira ter seu desabafo desentorpecido publicado, envie seu texto para coletivodar@gmail.com e ponha as cartas na mesa para falar sobre drogas com o enfoque que quiser.
No texto desta edição trazemos uma homenagem prestada pela advogada Alessandra Teixeira, que é membro do IBCCRIM, doutoranda em sociologia e integrante do Grupo de Trabalho Mulheres Encarceradas, à Irmã Maria EmÃlia Guerra Ferreira, figura histórica na luta por direitos humanos nas prisões brasileiras.
***
Em 27 de dezembro último faleceu a Irmã Maria EmÃlia Guerra Ferreira, uma personagem singular na luta pelos direitos humanos das maiorias empobrecidas e excluÃdas em nosso paÃs. Ao longo dos últimos quarenta anos, atuou em diferentes frentes e causas. Entre os anos 70 e 80 erradicou-se em comunidades eclesiais de base na região Nordeste do paÃs levando seu trabalho transformador, fortemente ancorado no movimento da Teologia da Libertação, à s populações lá instaladas, afetadas pela seca, pela fome e pelo abandono do Estado. Em São Paulo manteve, até sua morte, uma atuação permanente junto à população de rua, mas foi o trabalho qualificado e incansável que empreendeu com presas e presos no sistema carcerário paulista a partir dos anos 80, o que levou Maria EmÃlia à s lutas mais árduas em sua jornada, marcando de modo significativo a história contemporânea das prisões em São Paulo.
Sua primeira inserção no sistema carcerário foi no ano de 1985, levada pelas mãos do Padre Macedo, representante da Pastoral Carcerária à época, passando a atuar durante muitos anos como voluntária na Casa de Detenção do Carandiru, tempo em que vivenciou um dos maiores extermÃnios cometidos pelo Estado brasileiro pós- redemocratização: o Massacre do Carandiru, em 1992. Como resultado de anos de atuação e reflexão junto a esse universo, Maria EmÃlia publicou, em 1996, o livro A produção da Esperança numa situação de opressão: Casa de Detenção de São Paulo, fruto de sua dissertação de mestrado na PUC/SP, obra de importância Ãmpar para a memória do sistema prisional brasileiro, e que se encontra hoje esgotado.
Paralelamente ao trabalho na Casa de Detenção, Maria EmÃlia atuou como psicóloga do hoje extinto Departamento de Saúde do Sistema Penitenciário, se destacando pelo trabalho emancipador realizado com doentes mentais, e também por sua militância incansável pelos direitos das mulheres encarceradas. Maria EmÃlia foi uma importante precursora da luta pelos direitos dessas mulheres, ao chamar a atenção sobre a violência de gênero que o Estado promovia (e promove) contra as presas, a desatenção à s suas especificidades, e sobre a iniquidade de direitos entre homens e mulheres também no universo da prisão. Maria EmÃlia foi uma das primeiras pessoas, se não a primeira, a erguer a bandeira pelo direito das encarceradas à visita Ãntima, direito que só seria a elas garantido no Estado de São Paulo em 2001, 16 anos depois de sua concessão aos homens encarcerados.
Por sua luta pelos diretos concernentes à saúde dos presos, foi convidada, em 1997, pelo então Secretário da Administração Penitenciária João Benedito de Azevedo Marques, a dirigir o hoje extinto Hospital Central do Departamento de Saúde, o único no sistema para presos e presas soropositivos em estágio avançado. Num tempo em que a AIDS acometia mais fatalmente suas vÃtimas, e sobretudo a população prisional, Maria EmÃlia reinventou o espaço hospital-prisão nos anos em que o dirigiu, transformando discursos em verdadeiras práxis.
Desde 2009 passou a integrar, na qualidade de conselheira, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, empenhando-se em mais uma luta fulcral à democracia brasileira: o direito à verdade e à justiça.
Sua memória estará preservada não apenas nos feitos que promoveu, mas no coração daqueles em que ela tocou, com vigor, ternura e solidariedade, suas marcas.