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Abril 11, 2012

Internação forçada de pessoas: uma abordagem ético-constitucional

Internação forçada de pessoas: uma breve abordagem ético-constitucional
Daniela Skromov de Albuquerque
Coordenadora Auxiliar do NECDH / Defensoria Públlica ESP

O tema é candente e ocupa boa parte dos holofotes da discussão pública atual, e surge atrelado à questão das drogas.

Nesse contexto, o apelo para a internação se desenvolve na intersecção, por exemplo, do afã de defesa social, da ética, do papel da psiquiatria, das discussões sobre a autonomia e capacidade do indivíduo, do mercado lucrativo do fomento dos medos, dos preconceitos, da religião e dos direitos. É no desfazimento deste emaranhado que pode residir alguma visão mais clara da problemática.

Para ao menos iniciar o assunto, alguns mitos precisam ser desconstruídos e algumas premissas estabelecidas.
Computamos na conta da droga o que a ela não poderia ser creditado: miséria, esfacelamento de laços, incapacidade de diálogo, desestruturas familiares, omissão estatal na implementação de políticas públicas contínuas. As causas são erroneamente tomadas como efeito da droga, que, não poucas vezes, é a saída colocada à disposição do indivíduo para a dor de uma realidade dura e nua.

A autonomia de toda e qualquer pessoa, inclusive da pessoa que usa, abusa ou é dependente de drogas, é premissa no Estado Democrático de Direito. O mito de que o “viciado” é alguém que não sabe o que quer se presta a legitimar invasões violentas. O autoritarismo se traveste de salvacionismo: é necessário proteger a pessoa dela mesma, importando menos o custo humano e psíquico que isso implica. A pessoa é usada como meio “para o seu próprio benefício” e em especial a socialmente vulnerável é vista como uma constante ameaça contra os outros e contra si própria, numa visão paternalista típica de regimes autoritários, na contramão do imperativo da autodeterminação do sujeito e da dignidade humana, bases da ordem democrática.

A premissa é a capacidade de toda e qualquer pessoa de fazer escolhas e não o contrário. Uso de drogas não gera sempre dependência; dependência não implica necessariamente incapacidade, assim como não aponta obrigatoriamente para a internação, que tampouco é sinônimo de tratamento.

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República brasileira (CF, art. 1, III) e tem como faceta principal a autonomia da vontade na determinação de seus valores e objetivos; a liberdade é um direito fundamental (CF, art. 5, II). O Código Civil não inclui os “viciados em tóxicos” nem os “ébrios habituais” no rol dos absolutamente incapazes. Nesse contexto, a liberdade pode se estender ao limite de não ser submetido a qualquer tratamento.

Anthony Daniels, experiente psiquiatra inglês, define a discussão pública sobre drogas como um “processo de aceitação de falsidades” e pontua que a premissa de que o viciado é um indefeso mascara a verdade de que “a única coisa que pode ajudá-lo a resolver o problema é a sua decisão”. A vontade, com suporte do tecido social, continua a ser a melhor mola propulsora das superações ou minimizações dos problemas pessoais relacionados às drogas.

Aqui entra outra esquecida constatação nesse debate: a internação forçada pode agravar o quadro. A força introjeta subserviência ou revolta, e reforça a situação de exclusão e estigma já trazida pela pessoa. O gesto que interna também é o gesto que cria marcas no internado. O Estado, ao internar à força e isolar, pode estar simplesmente repetindo uma realidade psíquica de abandono já ocorrida no passado.

Posterga-se assim o momento da promoção da maior autonomia, responsabilização e elaboração. Assim, a recaída, estimada em 95%, é a volta para o universo do qual a pessoa nunca saiu.

Não por acaso a Lei 11.343/06, mais conhecida na sua faceta repressiva, emoldura o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e traz como premissa a busca da reinserção social de usuários e dependentes de droga (artigo 3, I); como princípio o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade (artigo 4, I); como objetivo, contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso de drogas (artigo 5, I) e como diretriz a existência de um projeto terapêutico individualizado orientado para a inclusão social (artigo 22, III).

Sob esse prisma, isolar para incluir, senão ilegal, soa no mínimo contraditório. Sob esse prisma, tratar a questão como exclusivamente médica soa tecnocrático.

Há os que, inspirados na Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/01), sustentam que a internação é possível, desde que usada excepcionalmente, com laudo médico prévio e circunstanciado, e após se demonstrar que os recursos extra-hospitalares foram insuficientes para aquele caso concreto.

No entanto, a imensa maioria das pessoas depende dos equipamentos que deveriam ser postos à disposição pelo poder público – Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, Programa de Saúde da Família, Consultórios de Rua, leitos em Hospital Geral para desintoxicação, Centros de Convivência etc. – o qual, via de regra, tem sido histórica e eloqüentemente omissivo na implementação e manutenção de políticas públicas integradas e de qualidade para a solução ou ao menos minimização deste problema. Pergunta-se: se o poder público retira da pessoa a oportunidade de se valer das possibilidades de tratamento em meio aberto, como sustentar que foram ineficazes se sequer existiram como exige o arcabouço legal?

O que foi construído passivamente pela soma das omissões por anos e décadas não pode ser resolvido num estalar de dedos, com uma única resposta simplista. Necessitamos adequar a resposta à complexidade do problema, que precisamente por ser complexo, não se soluciona com uma saída simples, tomada como resposta geral para todos os males da droga.

Em nome da defesa social, o direito penal é o único ramo do Direito, num Estado Democrático, legitimado a cercear gravemente a liberdade alheia contra a vontade do individuo.

A internação como regra é medida usada nos séculos passados: volta-se a tratar do problema como se ele abrangesse uma massa amorfa de pessoas para as quais se impõe uma mesma saída em abstrato. O banimento de uma determinada categoria de indivíduos da vida coletiva não é permitido- aliás, marca tristes capítulos da história da humanidade. A memória deve nos ajudar a questionar se não estamos simplesmente reeditando um episódio já vivido.

A histórica omissão dos poderes públicos se transformou em histeria social: na busca para uma rápida solução para a chaga exposta, qualquer solução parece servir, desde que afaste o problema de nosso campo de visão.

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