Decisão tomada pelo governo federal movimenta grupos contra o evento
Por Carolina Serpejante, Helder Ferreira e Sarah Uska
A Marcha da Maconha já tem data, local e aval do Supremo Tribunal Federal (STF) para ser realizada em São Paulo. O evento está marcado para acontecer na Avenida Paulista, no dia 19 de maio, e já arrecadou R$6204,00 em um site de financiamento colaborativo para cobrir seus gastos. A marcha é parte de um movimento nacional que, além de reivindicar a legalização da maconha, busca discutir a polÃtica de drogas no Brasil.
Segundo Júlio Delmanto, militante da Marcha e do coletivo antiproibicionista Desentorpecendo a Razão (DAR), a legalização da maconha e de outras drogas “com grande mercado, mas proibidas†seria importante em um primeiro momento para reduzir a superlotação carcerária no Brasil, onde, segundo ele, quase um quinto dos presos tem relação com a polÃtica de proibição das drogas.
Além disso, também acredita que a mudança seria benéfica para a sociedade na medida em que daria fim ao que, de acordo com ele, seria uma fonte de corrupção dos poderes públicos e de criminalização da pobreza. “Não é o consumo nem a produção de drogas que a lei atual visa conter. Ela é apenas um dos subterfúgios para o Estado reprimir, seletivamente, setores pobres da população e para policiais, juÃzes e polÃticos corruptos lucrarem com as propinas e subornos de sempre, levando organizações criminosas a terem seus lucros elevados ao extremoâ€, argumentou.
Outro benefÃcio advindo da legalização seria uma mudança na polÃtica de drogas, que passaria a tratar do abuso de entorpecentes como uma questão de saúde pública e não criminal. “Respeito [aos direitos humanos] é o mÃnimo que se espera de uma polÃtica pública, mas estamos ainda muito longe disso. Seja por conta da ingerência estatal sobre a vida privada, seja por conta dos efeitos nefastos causados pela proibição que são muito piores do que os possÃveis danos causados pelo consumoâ€, afirmou Delmanto.
O escritor ecumênico xamã Gideon dos Lakotas, que fundou e lidera o “Movimento Nacional Contra a Liberação da Maconha…Pela Vida†– um grupo de resistência à legalização que atua em todo o Brasil com palestras e auxÃlio a dependentes – pensa diferente. Para ele, o Brasil não é eficiente em suas polÃticas públicas de esclarecimento e prevenção ao uso das drogas, portando a legalização seria um incentivo ao uso e comércio da maconha. “Estão querendo facilitar o uso da maconha de maneira irresponsávelâ€, critica.
Outro ponto que Lakotas defende é de que a venda ilegal da maconha não irá, necessariamente, acabar com a legalização, uma vez que os traficantes poderão vender a droga por preços mais baixos, já que não pagarão impostos. “Isso sem falar que o traficante poderá usar as lojas ‘legais’ de maconha para lavar dinheiro das outras drogasâ€, completa.
De acordo com Thiago Fidalgo, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da UNIFESP, a maconha é um alucinógeno que pode causar vários efeitos fÃsicos e psÃquicos em nosso organismo. “Nem todo uso de maconha é nocivo, mas não existem nÃveis seguros de consumoâ€, sustenta.
O processo de dependência tanto para maconha como para qualquer outra droga, segundo Fidalgo, depende de três fatores: a droga que é consumida, o contexto no qual ela é consumida e a pessoa que a está consumindo. “Para entender a questão do contexto, podemos usar o exemplo das culturas mediterrâneas, nas quais o álcool está amplamente disseminado na forma de vinho, e onde encontramos as menores taxas de alcoolismoâ€, explica Fidalgo, que completa dizendo que nos paÃses anglo-saxões, cuja cultura é de restrição e proibição do álcool, os Ãndices de alcoolismo são gravÃssimos. “Esse aspecto ambiental e cultural do ‘contrário’ é importante para pensarmos a dependênciaâ€, diz. Por fim, ele completa dizendo que a pessoa que faz uso da droga apresenta vulnerabilidades psicológicas e genéticas, sintomas psiquiátricos ou outros aspectos biológicos, pode ser que ela seja mais vulnerável à dependência.
Fidalgo também afirma que não existem evidências concretas de que o consumo de maconha leva a outras drogas. “O que sabemos é que o consumo de uma droga ilÃcita favorece o consumo de outra droga ilÃcita. Seguindo essa lógica, consumir crack aumenta a chance de a pessoa consumir maconha, por exemploâ€, diz. Ele completa dizendo que não estudos que apontem claramente a maconha como primeira droga na vida das pessoas ou que ela sirva como “porta de entrada†para as demais. “Sabemos, ainda, que as pessoas tendem a experimentar várias drogas, até encontrarem aquela de sua preferência. Nesse sentido, a maconha pode ser uma passagem, mas não uma porta.â€