Do G1 SP, com informações do Fantástico
Na madrugada de 5 de agosto do ano passado, uma sexta-feira, criminosos assaltaram um supermercado na Zona Norte de São Paulo. Policiais da Rota, uma tropa de elite da PM paulista, enfrentaram os assaltantes e mataram seis deles. O Fantástico teve acesso exclusivo às imagens das 13 câmeras de segurança do estabelecimento que mostram que os policiais agiram de forma suspeita.
Nesta semana, a atuação da Rota voltou a ser notÃcia. Uma testemunha afirma ter visto policiais do grupo torturando e matando uma pessoa.
No caso do ano passado, a equipe de reportagem teve acesso a mais de 17 horas de gravação que mostram, de vários ângulos, a ação da polÃcia e dos assaltantes. Uma das câmeras tem uma imagem que levanta suspeitas (confira vÃdeo ao lado com a reportagem completa do Fantástico deste domingo).
Dez homens encapuzados invadem o local. Estão armados com pistolas, espingardas calibre 12, fuzil e metralhadora. Três funcionários são feitos reféns. Um dos criminosos usa um maçarico para arrombar o caixa eletrônico do supermercado. De repente, começa um corre-corre.
As câmeras mostram quando um funcionário foge e dois se escondem debaixo de uma mesa. Do lado de fora, PMs trocam tiros com parte da quadrilha, que dava cobertura ao assalto. Um dos suspeitos é morto. Na época, a polÃcia disse que recebeu uma denúncia anônima, avisando sobre o assalto.
Dentro do supermercado, os assaltantes procuram um esconderijo e vão para o depósito. Um deles, de blusa escura, anda de um lado para o outro enquanto fala ao celular. Os outros não estão mais encapuzados e ninguém carrega armas potentes, como o fuzil e a metralhadora. Assim que o celular é desligado, cinco assaltantes saem correndo, sobem em caixas e vão para uma parte superior do supermercado.
Segundos depois, chegam os policiais da Rota. Os funcionários do supermercado são arrastados e mantidos sob vigilância, até os PMs terem certeza de que são reféns mesmo. Agora, parte da tropa vai para o depósito, onde os ladrões se esconderam.
Três policiais olham em direção à câmera e, quase imediatamente, ela é virada. A imagem fica assim até o fim da gravação. Na época, ela não foi divulgada pela polÃcia, que apresentou apenas uma versão editada. Os policiais da Rota disseram que cinco dos seis assaltantes foram mortos em confronto, justamente no depósito do supermercado.
Fotos da própria polÃcia mostram que alguns levaram tiros na cabeça e também nas mãos e nos braços, o que sugere uma tentativa de defesa.
Zona Leste
Na segunda-feira (28), mais um caso suspeito envolvendo policiais da Rota foi registrado. De acordo com a polÃcia, a Rota recebeu uma denúncia anônima de que integrantes de uma quadrilha se encontrariam em um bar na Zona Leste da capital paulista para combinar um crime: o resgate de um traficante preso. Ainda segundo a versão oficial, os policiais foram até o local, mas os suspeitos reagiram e acabaram baleados. Cinco morreram a caminho do hospital. Três foram presos e cinco fugiram. Segundo a polÃcia, com os suspeitos havia drogas e armas.
Outro ferido foi levado, em um carro da Rota, por um sargento e dois soldados. A seis quilômetros do bar, na Rodovia Ayrton Senna, o veÃculo parou no acostamento. Perto, há uma favela. Uma mulher que mora em um barraco com a famÃlia é a principal testemunha contra os policiais da Rota, que são acusados de tortura e assassinato.
Ela disse à polÃcia que viu quando os três PMs chutavam o suspeito e que um deles chegou a atirar à queima-roupa no homem. Ela afirma ainda que, dez minutos depois, ouviu outros disparos e que, na sequência, os PMs colocaram o corpo no carro policial e foram embora.
A mulher, que chegou a ligar para a polÃcia para contar o que estaria vendo, se mudou com a famÃlia do bairro e está sob proteção do Estado. Os três policiais estão presos e negam as acusações. Dizem que pararam o carro no acostamento porque um deles sentiu cãibras e que não praticaram nenhum tipo de violência contra o suspeito, que morreu.
O comandante da Rota, o tenente-coronel Salvador Modesto Madia, afirma: “Houve um desvio, e o desvio não é aceito. Estão sendo autuados e vamos verificar a conduta.†Para a promotora de Justiça Luciana Frugiuele, quando policiais agem assim eles extrapolam a função de polÃcia. “Ela está exercendo a Justiça com as próprias mãos, vamos dizer assimâ€, ressaltou.
Escutas telefônicas
Policiais, procuradores de Justiça e promotores ouvidos pelo Fantástico são categóricos. Afirmam que, nos dois casos mostrados na reportagem, que terminaram com 12 mortos, as denúncias não foram anônimas, como anunciou a PM. Dizem que a Rota soube com antecedência que as quadrilhas planejavam os crimes.
Segundo as autoridades, as informações privilegiadas vêm de escutas telefônicas que monitoram os integrantes da quadrilha que age dentro e fora das cadeias do estado. O comandante da Rota nega: “Não existe esse tipo de coisa, se não for dentro da legalidade. Não existe. Se não for por ordem judicial, nós não fazemos isso.â€
A equipe do Fantástico procurou o comando da PolÃcia Militar. Uma entrevista chegou a ser marcada com o corregedor-geral da PM, mas foi cancelada por ordem da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
O Instituto Sou da Paz, que há 10 anos trabalha pela prevenção da violência no Brasil, faz um alerta. “Por mais que as pessoas tenham medo e elas queiram uma polÃcia violenta, isso não vai trazer mais segurança. Não é o modelo de sociedade e nem de segurança que a gente precisaâ€, diz a diretora do instituto, Melina Risso.