RICARDO GALLO
DE SÃO PAULO
Sob ameaça de ser fuzilado na Indonésia em breve, Marco Archer Cardoso Moreira, 50, diz ter esperança de que a presidente Dilma Rousseff consiga evitar a sua morte.
“Peço para ela ao menos tentar”, disse, na madrugada de ontem, por telefone, em entrevista exclusiva à Folha. “A única pessoa que pode me salvar é ela.”
Preso em 2003 ao tentar entrar na Indonésia com 13,4 kg de cocaÃna, Archer foi condenado à morte em 2004 –e já perdeu todos os recursos na Justiça. Ele está na prisão de segurança máxima de Pasir Putih (“areia branca”), a 430 km de Jacarta.
Na semana passada, um procurador disse ao “The Jakarta Post” que ele será executado nas próximas semanas, o que sinaliza que o presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono, rejeitou o pedido de perdão –sua última chance de escapar.
O brasileiro disse não ter medo, mas espera que a situação seja revertida.
Editoria de arte/Folhapress | ||
Enquanto não há definição sobre seu caso, o cenário que lhe soa mais positivo é continuar preso a 15,4 mil km de casa, como está há oito anos, sem perspectiva de voltar ao Brasil. O pior, encarar a morte.
A Folha falou com ele em três ocasiões: a primeira, no sábado à noite; as outras duas, na madrugada e na tarde de ontem, em 40 minutos de conversa, relatada a seguir:
*
Folha – Oito anos depois de você ser condenado, o procurador disse ao “The Jakarta Post” que a sua execução seria em breve. Como você reage?
Marco Archer Cardoso Moreira – Eu reajo… [silencia, pensativo]. O que eu posso fazer?
Alguém te avisou sobre a possibilidade de execução?
Não. Ninguém me avisou de nada. Sei que saiu na imprensa aqui só. Mas, faz um mês, veio um procurador aqui e me fez assinar um papel sem timbre.
Você assinou um papel sem falar com o advogado?
Assinei. Mas não valia nada. O advogado da embaixada [brasileira em Jacarta] disse que, se foi assim mesmo, o papel não tem valor jurÃdico nenhum. Outros presos também assinaram.
Mas isso não te preocupa? Digo, pode ter sido baseado nisso que o procurador declarou que você seria executado…
Eles me disseram que não tinha valor jurÃdico. O procurador ainda brincou perguntando o que eu queria como último pedido –e pedi três garrafas de Chivas [uÃsque] e duas mulheres. Falei de brincadeira!
Beawiharta – 8.jun.04/Reuters | ||
O brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira em cela na Indonésia após ser condenado por tráfico de drogas |
E você tem medo?
Medo, não… Tenho um medinho. Qualquer um que está aqui pode ser executado a qualquer hora. E tem bastante gente que foi presa antes de mim e que está na minha frente ainda… Só quem sabe é Deus. E tem como evitar isso.
Quem pode evitar?
A presidente Dilma. A única pessoa que pode me salvar é ela. Peço para ela ao menos tentar me ajudar. De presidente para presidente, talvez ela resolva. Quem sabe ela resolve e consegue abaixar a minha pena para prisão perpétua. Eu peço ajuda também ao presidente [da Indonésia] Susilo. Ele é muito poderoso.
Mas, se o procurador falou que você seria executado, significa que o presidente da Indonésia rejeitou seus pedidos de clemência [feitos em 2006 e 2008]…
Não sei… Aqui na Indonésia tem muita pressão para punir traficante. Mas ele reduziu a pena de uma australiana [Schapelle Corby, que teve pena reduzida em cinco anos; ela não havia sido condenada à morte].
Você sabe como é a execução?
Houve dois nigerianos aqui que foram executados [em 2008, os dois últimos a morrer na Indonésia].
E como foi?
O comandante da prisão veio e falou para eles que tinha uma visita. Quando eles foram até os policiais, agarraram eles e levaram para fuzilar. Um deles tentou fugir, mas não adiantou. AÃ, à noite, eles foram executados.
Avisaram na hora?
Avisaram um mês antes. A execução foi aqui na ilha mesmo.
Deu para ouvir o tiro?
Não.
E como você está?
Bem… Hoje vieram dois psicólogos aqui me entrevistar. Fizeram um questionário, perguntaram se eu estava com depressão. Levou uma hora para preencher um questionário. Eu não tenho nada.
O que você diria para quem está torcendo por você no Brasil?
Que nunca percam a esperança, que eu vou aguentar, se Deus quiser.
Saiu na Folha de hoje (26/6/12):
“Peço a Dilma que ao menos tente me salvar, diz condenado à morte
Sob ameaça de ser fuzilado na Indonésia em breve, Marco Archer Cardoso Moreira, 50, diz ter esperança de que a presidente Dilma Rousseff consiga evitar a sua morte.
‘Peço para ela ao menos tentar’, disse, na madrugada de ontem, por telefone, em entrevista exclusiva à Folha. ‘A única pessoa que pode me salvar é ela.’
Preso em 2003 ao tentar entrar na Indonésia com 13,4 kg de cocaÃna, Archer foi condenado à morte em 2004 – e já perdeu todos os recursos na Justiça (…)
Na semana passada, um procurador disse ao ‘The Jakarta Post’ que ele será executado nas próximas semanas, o que sinaliza que o presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono, rejeitou o pedido de perdão – sua última chance de escapar (…)
Você sabe como é a execução?
Houve dois nigerianos aqui que foram executados [em 2008, os dois últimos a morrer na Indonésia].
E como foi?
O comandante da prisão veio e falou para eles que tinha uma visita. Quando eles foram até os policiais, agarraram eles e levaram para fuzilar.
Um deles tentou fugir, mas não adiantou. AÃ, à noite, eles foram executadosâ€
Quando entramos no território de um outro paÃs, aceitamos as leis daquele paÃs. Não importa que entremos como turistas, como refugiados, como trabalhadores ou mesmo apenas por alguns minutos para fazer conexão entre dois vôos. Enquanto estamos dentro do paÃs, estamos sujeitos à s suas leis. Isso é um princÃpio básico da soberania nacional.
Logo, se alguém resolve traficar drogas em um paÃs onde a pena de morte pode ser imposta ao traficante, ele está assumindo o risco de ser condenado à morte. Não importa que ele desconhecesse a lei local (não podemos alegar desconhecer a lei para tentar escapar dela), ou se ninguém é condenado daquela forma há anos. O fato de uma lei não ser usada não quer dizer que ela deixou de valer. Uma lei deixa de valer quando outra norma a revoga. Nunca pelo desuso. Por exemplo, o Brasil também tem pena de morte por fuzilamento em tempo de guerra. O fato de ninguém ter sido condenado ao fuzilamento há décadas no paÃs não quer dizer que essa punição deixou de existir.
Pois bem, o condenado na matéria acima diz que só a presidente brasileira pode ajudá-lo.  Não é bem assim. A única pessoa que pode de fato agraciá-lo é o presidente do paÃs que o condenou. Se ele houvesse sido condenado no Brasil, a presidente de fato poderia conceder graça, que é um poder que só ela tem no Brasil. Conceder graça significa ordenar que a pena seja – total ou parcialmente – modificada ou deixe de existir. É uma das formas de controle entre os três poderes. No caso, do Executivo sobre o Judiciário.
Sem fazer um juÃzo de valor sobre a pena de morte ou essa condenação em especÃfico, a presidente pode tentar ajudá-lo no sentido polÃtico, tentando persuadir o presidente da Indonésia a exercer seu poder de graça. Isso pode ser feito politica, econômica ou militarmente. Mas não juridicamente, que é o que de fato importa.
Mas os presidentes raramente tentam exercer tal poder quando o crime é grave e o criminoso é confesso e foi julgado por uma corte independente, de acordo com as leis democráticas daquele paÃs. Por quatro razões:
Primeiro, porque quem pede um favor passa a dever vários favores. Se ela intercede por ele e o governo local atende seu pedido, em algum momento a Indonésia pedirá um ou mais favores tão ou mais constrangedores ao governo brasileiro. E, obviamente, ninguém quer ficar devendo favor que pode causar constrangimento no futuro.
Segundo, porque nenhum paÃs quer interceder nos assuntos internos de outro paÃs, da mesma forma como ele não quer que outros paÃses intercedam em assuntos internos brasileiros. Especialmente se os governos de ambos são democráticos. É como se questionasse a legitimidade do governo, das leis locais e da sociedade local. Imagine como você se sentiria se a imprensa brasileira publicasse que o governo desse ou daquele paÃs está pressionando o Brasil a aplicar suas leis de forma a beneficiar um estrangeiro que cometeu um crime no Brasil.
Terceiro, porque mesmo que ela interceda, não há nenhuma razão para que o presidente do outro paÃs atenda sua solicitação. Em outras palavras, ela vem a público fazer um pedido e o outro presidente a ignora. Isso enfraquece sua imagem não apenas internacionalmente, mas também internamente. Ela perde força polÃtica, e força polÃtica é tudo que um presidente tem.
Por fim, ela sabe que é muito improvável que o presidente do outro paÃs atenda seu pedido. Não só porque ele se indisporia contra o Judiciário local, mas porque as penas são impostas não apenas para punir o criminoso, mas também para servir de exemplo a outros potenciais criminosos. Algo como ‘olha o que pode acontecer com você se você cometer um crime’. Se ele agracia o condenado estrangeiro, duas coisas acontecem: primeiro, ele acaba com o caráter exemplificativo da pena: potenciais criminosos sabem que a pena é possÃvel, mas é improvável. Segundo, ele se coloca em uma saia justa interna: por que ele trata criminosos estrangeiros de forma mais benéfica do que criminosos locais? Além disso, estrangeiros não votam nas eleições daquele paÃs. São os cidadãos locais, que agora se sentem discriminados por seu próprio presidente, que votam.