Tribunal fixa regra que vai reduzir a entrada de infratores em instituições como a Fundação Casa
Em SP, venda de drogas responde por 43% das internações; medida é ‘passe livre’ para o tráfico, diz procurador
AFONSO BENITES DE SÃO PAULO
Após julgar centenas de casos de menores de idade apreendidos por tráfico de drogas, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) fixou regra que deve reduzir a internação de adolescentes por esse motivo.
A súmula 492, publicada na quinta-feira passada, determina que, se o adolescente for detido por tráfico e não tiver passagem pelo crime na polÃcia, não deve, obrigatoriamente, ficar apreendido.
A medida, segundo especialistas, visa frear uma prática comum no meio judiciário e que, para alguns deles, afronta o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
A lei prevê que a internação só deve acontecer em três ocasiões: quando o ato infracional (o crime) for cometido mediante violência ou grave ameaça, se houver reiteração ou se o jovem descumprir medida disciplinar anterior.
Hoje, porém, é comum juÃzes internarem jovens detidos por tráfico que nunca haviam cometido outro crime.
“Muitos dos adolescentes apreendidos traficam para manter o próprio vÃcio. O juiz acha que deixá-lo internado é dar uma resposta à sociedade e é a melhor maneira de tratá-lo”, afirmou o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo.
No Estado de SP, os detidos por tráfico representam 42,7% da população de internos. Segundo a Fundação Casa (antiga Febem), nos últimos seis anos, o tráfico foi o principal motivo do aumento da lotação.
“JuÃzes, principalmente do interior do Estado, sentem-se pressionados pela sociedade e preferem internar o jovem em vez de tratá-lo”, afirma a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella.
Para o coordenador de Infância e Juventude da Defensoria Pública paulista, Diego Vale de Medeiros, a medida deverá reduzir em cerca de 30% a superlotação da Fundação Casa. Hoje, há 8.934 jovens internados no Estado.
‘PASSE LIVRE’
Para o procurador de Justiça Marcio Sergio Christino, a súmula do STJ é um “passe livre” para o tráfico. “Vai ficar mais fácil para o traficante contratar esse adolescente para trabalhar como vendedor. Só basta dizer que ele não vai ser punido e, pronto, seu negócio será mantido.”
Como a súmula do STJ não é vinculante -ou seja, ela não obriga os juÃzes a tomarem decisão igual ao do tribunal superior-, o juiz ainda poderá determinar a internação do acusado por tráfico.
“Mas a argumentação dele deverá ser mais embasada, já que sua decisão será alterada quando chegar ao STJ”, afirmou o defensor Medeiros.
A pressão para não internar o menor detido por tráfico pela primeira vez fará com que juÃzes busquem outras medidas socioeducativas, como liberdade assistida e prestação de serviço comunitário.
Jovem trafica pelo vÃcio ou para ter roupa da moda
DE SÃO PAULO
Apesar de não haver um estudo que mostre quem é o jovem que foi apreendido por tráfico em São Paulo, profissionais que lidam com esses adolescentes ou com seus processos judiciais os dividem em dois grupos.
Um é o que busca no tráfico uma maneira de sustentar o seu próprio vÃcio. É o caso do jovem que usa crack e se torna microtraficante para garantir que terá a sua droga no dia seguinte.
O outro grupo é o do jovem que busca no tráfico uma maneira de obter dinheiro rapidamente.
“É aquela coisa tÃpica de jovem que, para se fazer presente dentro de seu meio, quer estar com uma roupa de marca, com uma moto nova e por aà vai”, afirmou a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella.
Pablo, hoje com 18 anos, está nesse segundo grupo. Ele ficou seis meses internado por tráfico de drogas na Grande São Paulo.
“Via os traficantes do meu bairro com carros do ano, roupas de marca e eu também queria. Mas minha famÃlia não tinha condição de me dar. Por isso, achei que traficar era a melhor saÃda. Me enganei”, afirmou.
Solto no ano passado, o rapaz se tornou office-boy.