A segunda e última parte da audiência pública promovida pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais sobre o novo Código Penal lançou um alerta: O novo ordenamento jurÃdico deve aumentar o número de presos no paÃs. A avaliação é dos convidados do instituto, que conduziram os debates nesta quinta-feira (30/8), em São Paulo — o advogado Luiz Flávio Gomes e a defensora pública Juliana Belloque, que integraram a comissão, e o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.
A consideração de que o novo Código Penal traz embutido o risco de aumentar o número de presos contrasta com a do relator do projeto, Luis Carlos dos Santos Gonçalves, que classificou o texto de “descriminalizador e descarcerizador†na primeira parte da audiência, na quarta-feira (29/8).
“Se esse Código passar, vai encarcerar muito mais genteâ€, declarou Luiz Flávio Gomes, doutor em Direito Penal. Segundo ele, entre 1990 e 2010, o Brasil prendeu 476% mais pessoas. E no novo Código Penal, diz ele, a progressão de regime ficou “durÃssima†em alguns casos.
Um exemplo é o que trata dos crimes hediondos. Pelo anteprojeto, se o condenado for primário, o benefÃcio será possÃvel apenas após o cumprimento de metade da pena, sendo que atualmente a exigência é de dois quintos da condenação. “Pensar em progressão na metade [da pena], significa que ele [preso] vai passar praticamente dois terços da pena em regime fechado, porque ainda tem o prazo de espera pela decisão judicialâ€, disse a defensora pública.
Segundo ela, além do endurecimento na progressão do regime, uma outra norma também tem grande potencial encarcerador — a que proÃbe o regime inicial aberto para todos os crimes praticados com violência ou grave ameaça, como resistência contra ordem policial, aborto, lesão corporal leve e grave, e eutanásia. “Em vez de penalizar mais o crime mais grave, vamos encarcerar justamente o crime mais leve, que tem pena fixada em até quatro anosâ€, disse Juliana. “É um rol muito grande de crimesâ€.
Ela disse que ao longo da tramitação do projeto pediu ao Ministério da Justiça o número de presos que praticaram crimes com grave ameaça e que estão em regime aberto, mas os dados não foram levantados. “Precisamos ter consciência do volume de pessoas que estamos colocando dentro do sistemaâ€, afirmou. “O ideal é o Congresso Nacional verificar que número é esse para sabermos qual é o efeito que a lei produzâ€.
Com base em um estudo que ainda está em fase preliminar, Marivaldo Pereira disse que num primeiro momento deve haver redução no número de presos, graças à diminuição de algumas penas. Entretanto, no médio prazo, a quantidade de presos deve subir. “Pode haver aumento do contingente entre 45% e 87%â€, estima.
Ele concordou com a crÃtica geral de que houve pouco tempo para a elaboração do anteprojeto, escrito em apenas sete meses, conforme determinação do Senado, mas disse que o Congresso Nacional tem legitimidade para propor a medida. Marivaldo fez um apelo aos operadores do Direito e interessados no assunto para que participem dos debates relativos ao novo Código Penal. “As consultas públicas não são suficientes. Elas são apenas o inÃcio do processo”.
Linha do projeto
Na audiência também foi colocada a questão da orientação polÃtico-ideológica do projeto. Para Juliana Belloque, o projeto não possui uma linha definidora. “Não dá para dizer que ele é liberal ou conservador.â€Â Ela lembrou que várias votações foram decididas por um ou dois votos.
A ausência de ideologia, porém, foi criticada por um membro da plateia, que afirmou que “a não identificação de uma ideologia é sua própria ideologia, que é o pensamento punitivistaâ€. Ele recebeu aplausos da plateia após a intervenção, com a qual a defensora concordou.
Em relação aos questionamentos de fundo teórico-metodológico apontados por Reale Júnior e René Dotti na primeira parte, Luiz Flávio Gomes discordou de seu colega em alguns pontos e disse que vivemos a era “pós-modernaâ€, cuja marca é a da “desconstruçãoâ€. Segundo o professor, pela primeira vez em 150 anos não nasceu uma nova escola penal após uma geração. “Não temos sequer uma doutrina seguraâ€, disse.
Nesta semana, o senador Pedro Taques (PDT-MT) informou que os senadores poderão apresentar emendas ao Projeto 236/2012, que institui o novo Código Penal, até o dia 5 de outubro. A expectativa é que ele seja aprovado no Senado até meados no ano que vem. Depois disso, ele ainda deverá passar pela Câmara dos Deputados.
Elton Bezerra é repórter da revista Consultor JurÃdico.