Com relação à reportagem de capa desta semana ainda não a li  pois, como me recuso a comprar a revista, estou esperando ela cair na internet – o que ainda não ocorreu. Desta forma, somente analisando a capa, faço algumas considerações preliminares:
1) Como é possÃvel falar em cura para uma doença ou transtorno ou problema como a depressão? Afirmar que existe uma cura para a depressão é como dizer que é possÃvel eliminar definitivamente qualquer tristeza ou ansiedade ou ainda as dúvidas, os receios e os medos, dos quais, dentre outras coisas, a depressão é consequência. É claro que existe algum componente biológico na depressão, mas isto não significa dizer, como querem os psiquiatras modernos, que a depressão é simplesmente um problema genético/cerebral que pode ser eliminado por via quÃmica. A coisa é muito mais complexa que isto, mas a revista compra (e vende) muito bem, de forma acrÃtica, este discurso biologizante/ medicalizante. Uma curiosidade é que há 13 anos, em março de 1999, a revista divulgava, em sua capa, que o mal da depressão “já pode ser vencido com a ajuda de remédios”. Será que em 2025 teremos uma nova capa da Veja prometendo mais uma cura definitiva para a “doença da alma”?
2) Sério que 40 milhões de pessoas tem depressão no Brasil? Isto equivale a cerca de 20% da população. Como já discuti neste post, os altos Ãndices de depressão no Brasil e no mundo provavelmente refletem menos a realidade endêmica do problema e muito mais a ampliação e a banalização do diagnóstico moderno de depressão, que desconsidera o contexto em que os sintomas emergem e se mantém. Não sei qual a fonte utilizada pela Veja, mas mas o curioso é que a mesma revista, em 2009, divulgou que 17 milhões de brasileiros tinham depressão. Será que em três anos os Ãndices praticamente triplicaram? Não creio. Este estudo epidemiológico internacional de 2011 aponta que cerca de 10% dos brasileiros teriam depressão. Metade do que aponta a Veja;
3) A montagem utilizada pela revista para ilustrar a capa se utiliza do clichê da “pÃlula da felicidade”, contrapondo a imagem de uma jovem triste à sua (nova) versão feliz. Esta montagem se assemelha muito à quelas produzidas pela indústria farmacêutica para divulgar seus produtos – seja para médicos ou para a população em geral (o que no Brasil, felizmente, é proibido). Esta semelhança não pode ser simplesmente mera coincidência.
4) Com relação à cetamina (também chamada de ketamina), trata-se de um anestésico que tem sido cada vez mais consumido na Europa e nos EUA. Algumas pesquisas, como a relatada por esta reportagem, apontaram para o alÃvio imediato dos sintomas da depressão por alguns indivÃduos após a ingestão da medicação. O fato é que existem ainda poucos e inconclusivos estudos sobre os efeitos antidepressivos da droga, o que é muito diferente de afirmar que os cientistas descobriram um “tratamento totalmente eficaz” para a depressão. O que esta manchete sensacionalista não diz é que o efeito da cetamina é limitado e que, como qualquer medicação, gera efeitos colaterais e pode, inclusive, levar à dependência. Este estudo alerta ainda para o fato de que “o seu uso não se restringe apenas à prática clÃnica ou pesquisa, sendo frequentemente utilizada como droga de abuso pelos jovens em festas como um potente alucinógeno”. Não sei ainda se isto é mencionado no decorrer da reportagem – o que duvido muito -, mas a capa, pelo menos, passa a ideia de uma medicação 100% eficaz e sem efeitos colaterais.
A pesquisadora Lia Hecker Luz, neste estudo sobre a “pÃlula da longevidade à venda nas páginas da Revista Veja” conclui, após analisar 50 matérias sobre saúde, que a revista “assume esse papel de anunciar aos seus leitores, formados pela classe média, o que há de novo no mercado farmacêutico e de equipamentos de saúde, dando à s matérias de Jornalismo cientÃfico caráter publicitário, citando nomes comerciais de medicamentos e de seus fabricantes” E conclui com um importante alerta: “Antes de ler as matérias da revista, o leitor deve lembrar-se das prováveis respostas a duas questões: quem tem interesse na notÃcia e quem vai lucrar com a divulgação da mesma”. Quem NÃO vai lucrar, certamente, é o leitor da revista.