22/05/2013 – 20h15
JOHANNA NUBLAT
MÃRCIO FALCÃO
DE BRASÃLIA
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta-feira (22), o texto-base de um polêmico projeto de lei que endurece a pena para traficantes ligados ao crime organizado e atualiza as regras para a internação involuntária do usuário de drogas.
Trechos do projeto, no entanto, foram destacados e ainda deverão ser analisados separadamente em nova sessão do plenário da Casa, possivelmente na próxima semana. Após a aprovação final, o projeto ainda seguirá para o Senado.
O texto estabelece novas diretrizes dentro da atual legislação antidrogas. É uma tentativa de reduzir, especialmente, o impacto do crack.
O autor do projeto, deputado Osmar Terra (PMDB-RS), exibiu no plenário um saco com o que pareciam ser, para espanto geral, pedras de crack. Eram, porém, pedaços de giz, simbolizando a quantidade da droga consumida em dez dias por um usuário.
A principal modificação lançada pelo projeto é o aumento da pena mÃnima, de cinco para oito anos de prisão, para traficantes ligados a organizações criminosas –definidas como a associação de quatro ou mais pessoas com objetivo de obter vantagens pela prática do crime.
Vários parlamentares, porém, inclusive o autor do projeto, reconheceram que a caracterização desse traficante não está clara no texto, o que pode deixar a critério do juiz. “Ele tem mais condições de avaliar. É muito difÃcil detalhar essa caracterização”, afirmou Terra.
Os deputados envolvidos com a redação do projeto defendiam a ampliação da pena também para o “pequeno traficante”, quem vende a droga para se manter e manter seu vÃcio.
Essa mudança foi rejeitada pelo governo federal e excluÃda do relatório colocado em votação –uma vitória especialmente da ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil), que coordenou a negociação.
A falta de regras claras para definir o traficante ligado ao crime organizado, no entanto, pode acabar dando margem para a classificação do usuário como traficante, alertaram deputados do PT. Esse é um dos pontos que será analisado em separado em próxima sessão.
Um destaque votado, na noite desta quarta, retirou do projeto a determinação de incluir de frases e imagens de advertência nos rótulos de bebidas alcoólicas. Segundo o autor do projeto, houve um acerto com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para que essa advertência seja alvo de outro projeto de lei.
INTERNAÇÕES
O projeto traz novas regras e detalhamentos sobre a internação do usuário em hospitais, que podem ser de dois tipos: voluntárias (com consentimento do dependente) e involuntárias (a pedido da famÃlia, responsável ou de servidor público que não seja da área de segurança).
A involuntária depende da chancela de um médico e não pode ultrapassar 90 dias.
Apesar de o projeto dizer que a internação é medida excepcional, entidades da área de saúde e técnicos do governo temem que, na prática, se torne a principal alternativa para o tratamento –dificultando a ressocialização do usuário– e sirva de respaldo para grandes operações nas chamadas cracolândias.
Outro ponto alvo de crÃticas das entidades é reconhecer, na lei, um papel para as comunidades terapêuticas. O texto diz que podem funcionar como “etapa transitória para a reinserção social”.
Essas entidades já integram o plano nacional anticrack do governo federal, mas autorizadas por portaria. Elas enfrentam resistência porque grande parte tem vÃnculos com Igrejas e algumas já foram alvo de denúncias por maus-tratos pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia).
O Ministério da Saúde vê nas crÃticas, mesmo as internas, “mais fumaça do que fogo”. Avalia que o texto reforça a existência de uma rede integrada de atenção ao usuário, mas que o impacto desse projeto na atual polÃtica de saúde será mÃnimo.
O texto exclui propostas muito criticadas, como a criação de um registro nas escolas de suspeitas e casos do uso de drogas. Mas estabelece cota de 3% das vagas previstas em licitação de obras públicas com mais de 30 postos de trabalho.
BRASÃLIA — A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira à noite o texto-base do projeto que altera a Lei de Drogas, permitindo a internação involuntária de dependentes quÃmicos, mas desde que haja autorização da famÃlia. Um médico terá que atestar a necessidade de internação. Foi excluÃdo do texto de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) um trecho que permitia a agentes de segurança pública também determinar a internação.
O texto prevê ainda atuação de entidades terapêuticas, mas exige que a internação compulsória só seja feita nos estabelecimentos que prestem atendimento de saúde. Ou seja, aqueles que dão apenas atendimento religioso não podem receber pacientes internados involuntariamente.
O projeto aprovado aumenta de 5 para 8 anos de cadeia a pena mÃnima para o grande traficante integrante de organização criminosa. A pena máxima continua sendo de 15 anos. O texto não inclui o cadastramento de dependentes, que era previsto no primeiro texto do relator da proposta, o deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL). Após a votação de todos os destaques no plenário da Câmara, o texto ainda será remetido ao Senado. Os destaques pedem a retirada de trechos considerados polêmicos do projeto. Foi derrubado, por exemplo, o artigo que determinava a inclusão em rótulo de bebidas alcoólicas de advertência sobre malefÃcios para a saúde dos consumidores. Foram 169 votos contra a advertência e 149 a favor.
Carimbão incluiu no texto, a pedido do PT, o direito a redução da pena para o traficante de “menor potencial ofensivo†— preso primário, detido com quantidade não tão grande de droga. O substitutivo, porém, não definiu qual quantidade de droga caracteriza esse tipo de traficante. Hoje, ele não tem direito às benesses da progressão de regime.
Vagas de trabalho para ex-usuários
Foi aprovado também um capÃtulo sobre inserção social do paciente recuperado. A proposta de Carimbão destina para a pessoa que está recebendo atendimento de drogas 3% do total de postos de trabalho em obras públicas que ofereçam mais de 30 vagas. Mas o texto prevê que o usuário deve se manter na abstinência no trabalho. Se tiver alguma recaÃda, perderá o emprego. O governo é contra estabelecimento desse percentual e o PT apresentou destaque para derrubar o artigo.
— Não tem sentido. Até mesmo a recaÃda é prevista no tratamento. Não se pode vincular estabilidade no emprego à abstinência de droga ou álcool — disse o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Segundo Teixeira, o PT era contra o aumento da pena mÃnima para traficante vinculado a organização criminosa. Ele entende que essa medida pode gerar confusão entre quem é usuário ou traficante. O assunto seria objeto de votação em separado.
— É uma medida que vai gerar confusão. Como definir se um grupo de quatro pessoas é traficante ou não. Pode haver quatro pessoas fumando maconha e acharem que são traficantes. E vai o usuário cumprir pena maior que um homicida.
O debate foi intenso. Autor do projeto, Osmar Terra discordou de Paulo Teixeira e afirmou que o objetivo é reduzir locais de boca de fumo:
— Por mim, todo traficante, pequeno ou grande, tem que ser preso. Sem qualquer regalia.
O texto-base aprovado prevê que pessoas fÃsicas que doarem dinheiro para instituições e organizações que atuem no tratamento de viciados poderão abater até 6% do Imposto de Renda. Mas foi apresentado um destaque para derrubar esse artigo.
Osmar Terra, durante seu discurso em favor do projeto, exibiu um saco pequeno de plástico, cheio até a metade, onde dizia ter a quantidade de crack suficiente para o consumo de cinco dias. Mas o saco continha pedaços de giz.
O plenário da Câmara rejeitou a mudança dos rótulos de bebidas alcoólicas, que deveriam conter advertências sobre o malefÃcio de seu consumo. Porém, foi pedida votação nominal.
Internação compulsória causa polêmica
O projeto substitutivo, do deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) para o projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), muda o Sistema Nacional de PolÃticas sobre Drogas (Sisnad) para definir condições de atendimento aos usuários, diretrizes e formas de financiamento das ações.
Durante a votação, a internação involuntária de usuários de drogas, prevista no projeto, causou polêmica entre deputados. O lÃder do PSOL, deputado Ivan Valente (SP), disse que a medida é repressora, não vai resolver o problema do consumo e vai incentivar a famÃlia a internar antes, em vez de lidar com o problema.
— Avançamos na luta antimanicomial, em que a internação compulsória precede a análise de uma junta médica, e agora qualquer familiar, com dificuldade de lidar com a droga, vai internar involuntariamente um usuário sem saber se isso é eficiente — ironizou ao comparar à prática de manicômios.
Já o autor do projeto, deputado Osmar Terra, disse que o texto mira em usuários que estão nas ruas sem condições de se reabilitar.
— São pessoas que não têm famÃlia, dormem nas ruas, perderam tudo e não conseguem trabalhar, vivendo apenas esperando os próximos 15 minutos para usar a droga — disse.
O deputado Sirkis (PV-RJ) criticou o viés repressivo do projeto, que visa a internar usuários:
— A questão das drogas tem de passar da esfera da segurança para a saúde.
Mas o deputado Weliton Prado (PT-MG) disse que o projeto não prevê a internação, mas o acolhimento dos usuários.