Estou no Radisson, um hotel quatro estrelas em Vilnius, capital da Lituânia, prum dos encontros mais cosmopolitas de ex e atuais usuários de drogas do mundo. Há gente das favelas de Nairobi que injeta heroÃna, comedores de ópio das ruas do Nepal e crackeiros de Cabul, juntamente com muitos trabalhadores saudáveis, defensores dos direitos humanos e polÃticos.
Anastasia Teper, 30 anos, trabalha pruma organização de caridade chamada Vocal que ajuda jovens usuários de drogas e me conta — com um pesado sotaque do Brooklyn — que vir a essa conferência tão próxima da Rússia fecha um ciclo em sua vida. No começo dos anos 1990, sua famÃlia judia-cigana empobrecida fugiu de Moscou temendo perseguições. Eles se refugiaram em Nova York e, aos 15 anos, ela se apaixonou por um usuário de heroÃna seis anos mais velho. Aos 18, ela já usava speedball (heroÃna misturada com cocaÃna ou metanfetamina) e estava completamente viciada em crack e heroÃna.
Fred, um francês que fala muito rápido, tem um tigre tatuado no pescoço. Coincidentemente, ele passou boa parte da vida atuando como DJ na cena de moda de Paris, inalando regularmente de quatro a cinco gramas de cocaÃna por dia — durante nove anos.
“Era muito, eu sei, e à s vezes não dava pra dormir, mas nunca tive problemas financeiros. A vida continuava; era cocaÃna, balada e sexo. Eu pensava mais em cocaÃna do que na minha própria existência.”
“Achei que a heroÃna parecia uma coisa que realmente valia a pena experimentarâ€, diz ele. E foi o que fez. Assim que saiu da escola, ele foi pro Triângulo Dourado, uma das duas principais áreas de produção de ópio da Ãsia, e passou um ano inteiro fumando heroÃna de primeira trazida direto da fábrica com mais outros dois caras em Chiang Mai. “Parecia se encaixar em meu temperamento; me deixava confortável, relaxado e confiante.â€
Um abscesso causado pelas injeções de heroÃna na virilha o levou a uma nova clÃnica pra viciados criada pela Medecins de Monde, onde Abdur se tornou o primeiro afegão a ser tratado com metadona. Depois de sete desintoxicações, ele largou a metadona e, agora, desligado dela por dois anos, faz parte do Movimento de Usuários de Drogas do Afeganistão. Esperando uma resposta rÃspida, perguntei se ele usava alguma droga hoje em dia. “Às vezes uso cocaÃna ou crackâ€, ele sorri, “mas só com amigos, em festasâ€.
Por toda parte, há exibições de curtas-metragens. Um deles, chamado Carpet Drugged, mostra crianças em uma cabana, em um vilarejo do Afeganistão, sendo alimentadas com ópio pelos pais pra aliviar a dor que sentem depois de tecer tapetes o dia todo. Biskash Gurung, 26 anos, venceu o prêmio de melhor filme no festival Jornada de Mudançada com um filme sobre como jovens usuários de drogas injetáveis no Nepal, como ele próprio já foi, são sequestrados rotineiramente, torturados e presos pela polÃcia. Quando Bikash foi pego com um pouco de heroÃna na adolescência, interrogado e espancado durante 53 dias antes de passar nove meses na cadeia, onde metade dos presos tinha sido detido por posse forjada de drogas.
Não pela primeira vez, saà de Vilnius com a impressão de que os governos do mundo estão mais interessados em travar uma guerra contra os usuários do que contra as drogas em si.