A Marcha das Vadias do Rio de Janeiro, em seu terceiro ano consecutivo, reuniu mais de mil manifestantes na orla carioca, na tarde deste sábado (27), e causou alvoroço nas redes sociais, assumindo a liderança dos trending topics do Twitter no Brasil no inÃcio da noite. O grupo saiu à s 15h20 de Copacabana pela Avenida Atlântica e foi até Ipanema, pela Avenida Vieira Souto, pedindo a legalização do aborto e o fim da violência sexual. Por volta das 19h, diminuto, o grupo voltou à Copacabana. Duas horas depois, pelo segundo dia seguido, uma manifestação entrou em espaço reservado para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
O nome irônico do protesto, segundo os organizadores, teve origem no Canadá, quando um policial justificou um estupro por conta das roupas utilizadas pela mulher violentada. No Rio, o grupo reforçou a autodeterminação sobre o corpo feminino caminhando pela praia com gritos e cartazes. Num deles, a manifestante provocava: “Será preciso eu usar burca para você me respeitar?”.
O tema, naturalmente, esbarrou em dogmas da Igreja Católica e em fiéis da JMJ que seguiam para o evento religioso, instalado em palco na Praia de Copacabana, na altura da Avenida Princesa Isabel. Com manifestantes usando pouca roupa e algumas delas de seios de fora, as discussões foram acaloradas. “Vou rezar por eles”, chegou a dizer uma peregrina.
Integrante do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, Valéria Marques foi chamada de assassina por outra fiel. “Sinto pena de uma mulher que oprime o próprio gênero. A organização é apenas a favor das mulheres poderem decidir o que fazer com o próprio corpo, incluindo a legalização do aborto”, disse Valéria.
Radicais do movimento, no entanto, chegaram a quebrar imagens santas por volta das 16h30. Em outros momentos tensos, agentes da PolÃcia Rodoviária Federal (PRF) foram insultados por manifestantes que perguntavam “Cadê Amarildo?”, em alusão ao pedreiro que sumiu há duas semanas depois de prestar depoimento a policiais da UPP da Rocinha. Várias vezes, foram ouvidos gritos de “Fora Cabral”.
A PolÃcia Militar acompanhou a caminhada com cerca de 50 PMs. Após a chegada em Ipanema, o grupo decidiu voltar para Copacabana e questionar fiéis sobre alguns tabus. Ao se aproximar do palco da Jornada Mundial da Juventude, uma barreira humana da Força Nacional foi armada em frente ao Hotel Rio Othon Palace.
O grupo fardado se estendia da calçada à areia e impedia que manifestantes se aproximassem do evento católico. Algumas manifestantes, com os seios à mostra, subiram nos ombros de companheiros e provocaram fiéis. Às 21h, o bloqueio foi furado e parte do grupo ocupou as areias nas proximidades do palco principal da JMJ.
Em nota, os organizadores do ato lamentaram a quebra de imagens. “A performance que envolveu quebra de imagens de santas na Marcha das Vadias hoje não foi programada pela organização deste evento”.
Texto de Bárbara Araújo com colaboração de Bia Cardoso.
No último sábado, dia 27 de julho, aconteceu a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro. Uma grande festa feminista e queer , com uma pauta fortemente polÃtica: pela legalização do aborto, fim da violência contra as mulheres, libertação dos corpos, respeito à s mulheres trans, regulamentação da prostituição, etc. Muitas manifestações artÃsticas embelezando o ato, muitas palavras de ordem e músicas de enfrentamento. A maior e mais diversa Marcha desde sua primeira realização na cidade foi um momento de luta pela vida e pela autonomia das mulheres, contra a violência machista e homofóbica, contra o conservadorismo e, enfim, por liberdade.
Marcha das Vadias do Rio de Janeiro 2013. Foto de MÃdia NINJA no Facebook.
A Marcha estava marcada há meses para essa data, como um contraponto à agenda religiosa que tomaria conta da cidade do Rio de Janeiro nesse perÃodo. O objetivo, no entanto, não era estar no mesmo lugar que a programação da Jornada Mundial da Juventude, que ocorreria em Guaratiba. Na verdade, dada a experiência das manifestações recentes no Rio de Janeiro, realizar a Marcha no olho do furacão gerou certo grau de apreensão frente à possibilidade de forte repressão pelo Estado. As movimentações polÃticas no Rio têm encontrado um regime de exceção, inclusive no contexto da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Os manifestantes têm vivido um clima de terrorismo de Estado, chegando a haver ocorrências de sequestros polÃticos de militantes pela polÃcia. O cenário é grave.
A mudança da JMJ para Copacabana, local onde havia sido acordado com as autoridades que se realizaria a Marcha faz tempo, se deu poucos dias antes do dia 27, por consequência das chuvas que ocorreram no estado durante a semana. O terreno em Guaratiba é reconhecidamente uma área de mangue e apicum (terreno arenoso que margeia os manguezais), portanto, instável e sujeito a inundações.
Com as chuvas, o terreno se tornou um lamaçal e a organização do evento constatou a impossibilidade de realizar a JMJ no local. Os pequenos comerciantes de Guaratiba tiveram prejuÃzos homéricos, mas os grandes… Se a princÃpio parece não ter sentido que se investisse tanto dinheiro em uma área imprópria para construção, o sentido aparece quando se descobre que um dos donos do terreno é Jacob Barata, um dos maiores empresários de ônibus do Rio. O casamento da filha de Barata, a “Dona Baratinhaâ€, foi alvo de manifestações contra a máfia dos transportes no Rio, que está fechada com o governo do prefeito Eduardo Paes.
Agora, o prefeito avalia que embora o terreno não estivesse em condições de receber os peregrinos, está bom o suficiente para que se construa um “bairro popular para os mais pobresâ€. Num contexto da visita de um Papa jesuÃta, cujo nome remete ao franciscanismo, à simplicidade e à preocupação com os pobres, o tratamento dispensado aos pobres em seu nome é um indÃcio da polÃtica representada por ele, considerando-se ainda as denúncias de sua conivência ao regime ditatorial na Argentina e de seu“conservadorismo popularâ€.
Em Copacabana, a Marcha das Vadias começou à s 13h e foi até o final da tarde. Das cerca seis horas de evento, um episódio se destacou:  uma performance realizada por duas pessoas que quebraram e “vandalizaramâ€, para usar a expressão corrente, crucifixos e imagens de santos. A maioria das pessoas que chegou em casa do ato, felizes e encorajadas por sua beleza e força, foi surpreendida ao ver que na mÃdia e nas redes sociais se falava principalmente sobre aquele fato, que muitas não tinham sequer testemunhado, e que foi tido como uma afronta e um desrespeito à religiosidade católica.
Sobre essa performance, uma questão importante deve ser esclarecida. Ela não era de conhecimento da organização da Marcha; havia uma série de performances acontecendo por todo o ato e a organização — felizmente — não se colocou no papel de censurar ninguém. Em informe oficial, a organização afirmou que: “acreditamos e defendemos a liberdade de expressão artÃstica, religiosa, de consciência, de pensamento, de crÃtica, de vestimenta, e todas as liberdades civis individuais e coletivas garantidas pela Constituição Cidadã de 1988″.
Concordo com a opinião majoritária de que tenha sido uma atitude infeliz, principalmente em termos estratégicos. Mas, não podemos deixar que o significado da Marcha, sua força e a coragem que injetou na luta feminista contra todo tipo de opressão, sejam desviadas por conta desse fato.
Nós, que temos lidado com a manipulação da mÃdia mais abertamente nos últimos tempos, por conta das manifestações em todo o paÃs, devemos estar cientes da estratégia de deslegitimação de movimentos enormes por um discurso que foca em aspectos parciais — muitas vezes inventados ou distorcidos — do que acontece de fato.
Cabe a nós reforçar a pauta da Marcha das Vadias, defendida a plenos pulmões pelos milhares de pessoas que estiveram nas ruas ontem: Estado laico, aborto legal e seguro, autonomia sobre o próprio corpo. Somou-se a essa pauta a reivindicação pelo fim da violência policial e o Estado de Exceção no Rio, na pergunta que não quer calar: “Onde está o Amarildo?â€.
Cabe, por fim, uma observação pessoal.  Está sendo difÃcil, para mim, sentir compaixão pelos santos de barro e pelas pessoas religiosas que sentiram ofendidas ao vê-las sendo quebradas. Os santos não são agredidos na rua e mortos por agressores homofóbicos; eles não são culpados quando são estupradospor causa da roupa que vestem; eles não morrem em clÃnicas de aborto clandestinas e nem são criminalizados por interromper a gravidez; eles não são obrigados pelo Estado a ter um filho que foi fruto de um estupro.
A instituição Igreja Católica está apoiando que quebrem os nossos corpos e as nossas vidas há muito, muito tempo. Eu me senti agredida, pessoalmente e pela coletividade em que me insiro enquanto mulher, ao me deparar com a distribuição de fetos de plástico e de terços de fetos pelas ruas da minha cidade, na campanha “ética†da JMJ. Foi uma agressão brutal o manual de bioétical distribuÃdo na mesma campanha, que condenava o casamento homoafetivo e a formação de famÃlias por pessoas do mesmo sexo biológico, além de negar a própria existência de pessoas transgêneras.
A mesma revolta e a mesma sensibilidade direcionadas aos santos quebrados e ao desrespeito à religião católica não se direciona à s mulheres que morrem aos montes por consequência da criminalização do aborto. Não se importam, na mesma medida, com o genocÃdio de jovens negros e pobres no Brasil e no mundo, que está em curso há muito mais tempo do que o desaparecimento do Amarildo. A defesa da liberdade religiosa e dos sÃmbolos religiosos não aparece para condenar a perseguição à s religiões afro-brasileiras, a destruição sistemática que os terreiros de umbanda e candomblé vêm enfrentando há muito tempo.
Se podemos retirar da performance que foi acusada de intolerância religiosa (com razão, creio) alguma serventia, acredito que deva ser a percepção da seletividade das coisas consideradas como inaceitáveis pela nossa sociedade. O respeito à religiosidade é direito dos cristãos. O direito à moradia digna é um direito dos ricos (e quando somamos não-cristãos à questão habitacional, o resultado é o despejo da Aldeia Maracanã). O direito ao próprio corpo é exclusividade dos homenscisgêneros. É contra essa seletividade a nossa luta. É uma luta por liberdade.
[+] Sobre Santas e Vadias por Alexandre Bortolini.
[+] Quebrar santos: liberdade religiosa e outros elefantes brancos por Juno.
Um peregrino cuspiu no rosto de uma manifestante que participava da Marcha das Vadias, realizada neste sábado (27), no posto 5 de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. Em resposta à agressão, as mulheres rebolaram, mostraram os seios e a bunda.
O protesto é contra a polÃtica da Igreja Católica sobre o aborto e pedem por um “verdadeiro” Estado laico. Um dos gritos que elas entoavam perguntava pelo morador que sumiu da Rocinha, na semana passada: “Papa levanta o seu vestido, quem sabe aà embaixo está o Amarildo?”
Um grupo de aproximadamente 50 peregrinos da França, do Chile e da Itália, que participam da Jornada Mundial da Juventude, se sentiram ofendidos com o ato e iniciam um bate-boca com as participantes do ato.
O incidente mais forte foi o encontro com um grupo católico que começou a entoar coros para o papa e a igreja. Logo surgiu uma troca de ofensas e gestos obscenos. Tirando isso, muitos peregrinos observaram a manifestação e alguns estrangeiros, sem perceber, até se meteram no meio dos manifestantes.
A passeata feminina, porém, tomou direção de Ipanema, saindo do Posto 5 de Copacabana, enquanto os peregrinos rumavam para o Leme, na outra ponta da praia, que virou uma catedral nesses dias de Jornada Mundial da Juventude.
A marcha usou de muito humor para fazer alusões à s posições da igreja em relação ao aborto e aos métodos de anticoncepção. Uma manifestante carregou uma cruz com preservativos colados. Já um ativista se vestiu de papa, jogando purpurina como incenso, e soltou frases como “Olha só que legal, até o papa tem nome social”, “A nossa luta é por respeito, mulher não é só bunda e peito” e “Se o papa fosse mulher, o aborto seria legal”.
Havia garotas com véu de freira na cabeça, sutiã à mostra e uma calcinha como venda. Outros seguravam placas com dizeres como “Chupai uns aos outros” e “Deus perdoa o estupro, mas nós não”, “A Barbie não me representa” ou “Tire seus conselhos dos meus pentelhos”.
A organização batizou o ato de “Jornada Mundial das Vadias”. Havia também faixa com trocadilhos como a sonoridade da sigla do evento católico JMJ: “Xota em mi xota”.
A Marcha das Vadias surgiu em Toronto (Canadá) e se espalhou pelo mundo como uma nova forma de congregar os diversos grupos feministas e dos direitos LGTB.
Havia no ato também mulheres católicas que são a favor do aborto, do sacerdócio feminino e dos padres casados. A passeata, em ritmo de Carnaval e funk, com direito a bateria e naipe de metais, seguiu na contramão da peregrinação.
Segundo Rogéria Peixinho, ativista da AMB (Associação de Mulheres Brasileiras), a visita do pontÃfice a capital fluminense tem como “contraponto a livre manifestação de outra juventude”, na rua, “protestando contra a opressão e o controle da vida e da sexualidade das mulheres”.
“A presença do papa e os recursos públicos alocados para a visita de um lÃder espiritual colocam em xeque a laicidade do Estado. (…) Esse tema está dentro dos eixos da marcha, assim como o direito ao corpo, as denúncias sobre os casos de estupro que estão aumentando principalmente no Rio, e a formulação de polÃticas públicas de proteção à s mulheres”, disse ela.