Coletivo DAR
Em tempos onde a legalização da maconha já bate à porta em nosso continente, vale a pena colocar mais uma vez em debate o que realmente queremos com a legalização. Quando o Coletivo DAR se posiciona como “anti-capitalista” o que está em jogo é essencialmente a forma como uma sociedade se estrutura em torno de um tema: os processos de produção previstos pela legalização estarão em mãos dos usuários e dos trabalhadores, ou estará relegada à lógica de lucro das grandes empresas transnacionais? Se essa pergunta lhe parece banal ou descabida, vale a pena dar uma lida neste artigo de 2012, traduzido pelo Coletivo DAR de um jornal chileno sobre cultivo. Está exposto aà o tÃpico problema enfrentado não apenas pelos usuários e cultivadores de maconha, mas pela população inteira, quando os métodos empregados num processo de produção obedecem aos interesses privados e alguns grupos econômicos, e não aos interesses dos usuários. A única forma de controlar a legalização para benefÃcio de todos é que ela seja construÃda, regulamentada e exercitada “por baixo”, por aqueles que tratam diariamente e cotidianamente com o tema, entre eles usuários, cultivadores, profissionais de saúde, juristas, educadores, etc, em âmbito popular e não entre quatro paredes num despacho de parlamentares ou nos escritórios de grandes empresas transnacionais.
Por Dr. John Dee
(Revista Soft Secrets , Número 4 – 2012, Chile. Tradução: Coletivo DAR)
Seção
“Apuntes sobre genética”
 Como a maioria daqueles que estão lendo este artigo já terão se dado conta, o cenário do cultivo de cannabis se transformou drasticamente durante o último par de décadas graças ao avanços na ciência hidropônica, nutrição das plantas, os enxertos de um tipo de planta na outra para produzir CEPAS com produções mais elevadas, produções mais resistentes, ervas de efeito mais rápido e todas essas coisas.
A genética em si se transformou muito durante os últimos anos; agora não se trata apenas de estudar a transmissão hereditária e os traços herdados, mas também de modificá-los, alterá-los e, para que a maquinaria publicitária continue ditando suas regras, melhorá-los!
Durante muito tempo tem existido um elemento de modificação presente no âmbito da maconha na forma de polinização cruzada, enxertos simples, etc. Mas o que nos aparece no horizonte é algo completamente diferente porque os grandes, e reafirmamos “grandes”, especialistas em biotecnologia e genética decidiram que também querem jogar, mas não querem compartilhar a bola, e como se fosse poco, querem mudar as regras do jogo.
Evidentemente, é questão de dinheiro, mas não das quantidades normalmente atribuÃdas ao mercado da cannabis, mas sim de zilhões de dólares, euros, libras esterlinas, ou o que seja, e tudo isso legalmente mas, em definitiva, imoral.
Já em 1938, o valor da cannabis como uma autêntica industria organizada se estimou em bilhões de dólares. Desde aqueles dias, evidentemente, o potencias da planta da cannabis é cada vez mais reconhecido. Para trazer um exemplo, as possibilidades médicas e terapêuticas da cannabis aparecem em primeiro lugar na relação dos tratamentos eficazes para, entre muitas outras moléstias, a esclerose múltipla, vários tipos de câncer e doenças mentais como a depressão e a ansiedade. Encontre medicamentos autenticamente eficazes para qualquer uma destas doenças e você terá ganhado na loteria. Descubra uma única fonte de tratamento para todas elas e você terá licença para imprimir todo o dinheiro que queira, especialmente se você puder conservar a fonte e restringir seu acesso, que é o que está ocorrendo.
Mas como, se é apenas uma planta! Como pode ser que isso ocorra?
Descobre-se a tecnologia Terminator. Este horrÃvel “Avanço” cientÃfico produz sementes modificadas que só podem ser utilizadas uma vez. Qualquer semente produzida a través deste processo é estéril e inútil; por tanto, se você desejar plantar sementes de um mesmo tipo, deverá comprá-las cada vez que for cultivar.
Em última instância seria um feito muito grave para os cultivadores de cannabis, ainda que eu ache que como a maconha é uma dessas plantas com uma capacidade inata para a sobrevivência. Será quase impossÃvel erradicá-la da face do planeta; no final das contas, os estadunidenses tem tentado fazê-lo durante anos.
O melhor conselho no qual posso pensar (não duvide em contatar-me se você tiver um melhor) é: cultive unicamente bonitas variedades resistentes, variedades naturais que não estejam manipuladas por um laboratório ou retocadas por um geneticista para aumentar o conteúdo de THC. PoderÃamos dizer que, por todos os motivos e a longo prazo, o nÃvel de THC elevado não é tão bom para a sua saúde. Busque e encontrará uma grande quantidade de variedades únicas. Consiga clones de uma fonte de confiança e aplique os métodos de baixa tecnologia que tem funcionado à perfeição durante milênios.
Bem, isto funciona para operações de pequena escala, mas o que ocorrerá com os cultivos maiores, diferentes da cannabis mas de maior importância no nÃvel imediato? Por exemplo, o milho. Como eu ia dizendo, tudo isso será bastante ruim para os cultivadores de cannabis, mas existe um problema mais grave no centro da questão. Quando as colheitas transgênicas começaram a ser notÃcia no final dos 90, alguns já haviam previsto o que está passando agora. Havia dúvidas (e seguem havendo) sobre se a introdução de transgênicos na cadeia alimentária e o consumo destes alimentos podiam ser prejudiciais, no entanto, esta era apenas uma pequena parte de uma preocupação muito maior; ou seja, se em dado momento as únicas sementes de cultivo disponÃveis são sementes transgênicas patenteadas, que quando cultivadas produzem alimentos comestÃveis mas não sementes viáveis para produzir mais colheitas na próxima estação, o que ocorrerá?
Isto é o que ocorrerá: algo que costumava fazer parte de um ciclo natural da planta até a semente, ou seja, cultivar as plantas e guardar suas sementes para a plantação e o seguinte ciclo de cultivo, desaparecerá. Tudo isto desaparecerá e o cultivo de cannabis deveria ser a últimas de nossas preocupações. Antes de começar cada temporada de semeadura você deverá comprar novas sementes dos grandes conglomerados biotecnológicos ou de suas empresas subsidiárias, se você não estiver preparado para fazê-lo ou não se pode dar o luxo, problema teu, mas o negócio é negócio e não podemos dar as sementes já que devemos manter os acionistas como estão acostumados.
Considere por um momento o efeito que isto terá, por exemplo, na produção do milho nos paÃses em desenvolvimento. Quinze anos atrás eu teria recusado toda esta teoria como uma paranóia sem sentido, mas já está aqui e certamente isso é apenas o começo.
Um futuro possÃvel: a erva do teu cachimbo, a medicina que você necessitava tomar para curar-se, os alimentos do seu prato; tudo isso monopolizado e regulado por cientistas e homens de negócio. Se não é o que você quer para o futuro, chegou o momento de definir tua postura perante isso.