São Paulo – Trabalhadores e usuários do Complexo Prates, no Bom Retiro, em São Paulo, realizaram ontem (15) um ato em que chamaram atenção para demissões de funcionários e a precariedade do serviço municipal, que acolhe pessoas em situação de rua e dependentes químicos. Desde o dia 27, parte dos serviços prestados no Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) está paralisado depois que duas psicólogas foram demitidas.
O Prates era considerado um modelo da rede por conjugar assistência social e saúde. Todos os serviços são administrados indiretamente pela prefeitura, por meio da entidade Sociedade Amiga Esportiva Jardim Copacabana (Saec), no que tange a assistência social, e pela organização social de saúde (OSS) Irmãs Hospitaleiras.
No início do inverno do ano passado, no entanto, o serviço começou a apresentar problemas depois que parte das instalações onde ocorriam atividades recreativas foram desativadas para abrigar 150 camas emergenciais, que foram incorporadas à rede definitivamente. Nos últimos dias de dezembro, os usuários se revoltaram com a falta de insumos de higiene, como sabonetes, e realizaram um motim.
“Eu estou aqui há dois anos e vejo que o complexo Prates está se autodestruindo por problemas administrativos. A área de saúde perde o poder. E nós estamos perdendo bons funcionários que estão falando sobre isso”, afirmou Nina, usuária do centro, que é cadeirante.
Para conter a tensão que tomou conta do espaço, parte da equipe começou a organizar os usuários para que eles reivindicassem melhorias no serviços de assistência social, administrados pela Secretaria de Assistência Social. Os usuários relatam agressões por parte de seguranças do complexo, truculência da Guarda Civil Metropolitana, presença de pombos nos locais de refeição e descanso. “No provisório, que agora é definitivo, eles servem comida em marmitas, ou seja, o terceirizado faz mais uma terceirização, e ela vem estragada”, afirma Carlos Albert, que mora no complexo há três meses.
Segundo a psicóloga Laura Shdaior, as denúncias, levadas ao Ministério Público, provocaram perseguição a funcionários. Ela e outra psicóloga foram demitidas. “Eles foram atrás dos cabeças e me identificaram como um deles. Mas só estávamos cumprindo o que manda nossa ética profissional e as diretrizes do Sistema Único de Saúde, do Sistema Único de Assistência Social”, afirmou.
As duas profissionais dispensadas eram contratadas pela OSS Irmãs Hospitaleiras, que agora também será denunciada. “Vamos denunciá-la ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos e ao MP por descumprimento das normas do SUS e do SUAS”, afirmou Fábio Belloni, da Associação Brasileira de Saúde Mental.
Além da paralisação nos grupos terapêuticos do CAPs, a demissão das profissionais também é apontada como prejudicial ao tratamento dos usuários do complexo, já que o atendimento feito por elas é personalizado e demanda criação de vínculos de confiança. “A gente adora quem adora a gente. Essas princesas que tratam a gente como se fosse da família delas. Pode ser o pior bebum, elas chegam, conversam”, afirmou Vitor, de 59 anos, um dos usuários do serviço.
Desde o início do ano, a RBA relata a instabilidade na rede de assistência social, que vai além dos problemas relatados no Complexo Prates. Atualmente, 1.200 serviços de assistência social são administrados por entidades que juntas recebem por mês aproximadamente R$ 56,3 milhões, conforme determina a legislação vigente. No entanto, graças a indícios de uma espécie de cartel e da omissão da administração municipal, usuários e trabalhadores ficam reféns das entidades.
A lógica se repete na área de saúde, em que a maioria dos serviços é administrada por OSSs, muitas delas contestadas judicialmente. “Tem que executar a política municipal, a política preconizada pela legislação. Não é porque privatizou a gestão que privatizou a política. Então é óbvio que prejudica”, afirmou Laura.
Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, por meio de nota da assessoria de imprensa, “o Centro de Acolhida Prates II é higienizado três vezes ao dia. Além disso, os funcionários tomam todas as medidas possíveis para evitar a presença das aves que sobrevoam a região por conta da cooperativa que funciona nas proximidades. A alimentação servida no Centro de Acolhida Prates I é preparada no próprio local porque o serviço possui cozinha. Já o Centro de Acolhida Prates II está passando por um processo de requalificação para um melhor atendimento, que contará, entre outras coisas, com a instalação de uma cozinha”. A pasta também afirma que as atividades recreativas estão ocorrendo normalmente.
Em relação à violência da GCM, a corporação afirmou que “qualquer ato de violência contraria completamente as diretrizes e orientações de atuação da Guarda Civil Metropolitana pela atual gestão”.
A Secretaria Municipal de Saúde afirmou, também por meio de nota, que as relações trabalhistas dos funcionários com a Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus “não é de responsabilidade da SMS, que acompanha o caso para evitar desassistência aos usuários e monitora o andamento do plano de trabalho desenvolvido”.
Usuários de drogas em tratamento no Complexo Prates, unidade da Prefeitura localizada na região central de São Paulo, fizeram um ato na tarde desta terça-feira, 15, contra a demissão de duas funcionárias do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) que funciona dentro da unidade.
Segundo os manifestantes, uma psicóloga e uma enfermeira foram demitidas porque estavam ajudando os dependentes químicos a se articularem para cobrar a melhoria do serviço do complexo, que conta com albergue, centro de convivência, além do Caps.
“O local que dormimos é sujo, temos que comer ao lado de pombos, a Guarda Civil Metropolitana às vezes nos trata com truculência. As funcionárias do Caps estavam nos ensinando a cobrar nossos direitos de forma civilizada, com abaixo-assinado, assembleias. Foi por isso que elas foram demitidas”, diz Lucas Marcelo Cardoso, de 32 anos, usuário de crack que frequenta o complexo há seis meses.
As demissões aconteceram há pouco menos de três semanas. Desde então, a maioria dos cerca de 400 usuários que fazem tratamento no local deixaram de participar das atividades terapêuticas como forma de protesto.
Ontem, eles cobravam que a organização social Irmãs Hospitaleiras, que administra o Caps em parceria com a Prefeitura, fosse tirada da administração da unidade e que as funcionárias fossem readmitidas.
Em nota, a Prefeitura informou que as relações trabalhistas dos funcionários com a entidade não são de responsabilidade da Secretaria Municipal da Saúde, “que acompanha o caso para evitar desassistência aos usuários e monitora o andamento do plano de trabalho desenvolvido”.
Sobre os problemas relatados pelos usuários, a Prefeitura afirmou que a secretária municipal de Assistência Social, Luciana Temer, já se encontrou com os dependentes, “tomou ciência da situação e das demandas e se comprometeu a atuar junto à entidade que administra os serviços de assistência”.
A Prefeitura informou também que o centro de acolhida do complexo é higienizado três vezes ao dia e que os funcionários do local “tomam as medidas possíveis para evitar a presença das aves que sobrevoam a região por conta da cooperativa que funciona nas proximidades”.
Sobre suposta ação imprópria da GCM, a corporação afirmou que “qualquer ato de violência contraria completamente as diretrizes e orientações de atuação da Guarda” e deve ser denunciado à Corregedoria Geral ou à Ouvidoria do órgão.
A reportagem não conseguiu contato com representantes da organização social Irmãs Hospitaleiras.
Usuários dos serviços do Complexo Prates, criado para para acolher dependentes de crack e outras drogas em São Paulo, decidiram iniciar uma “greve” no tratamento.
Segundo funcionários, alguns já deixaram de participar das atividades terapêuticas. Inaugurado em 2012 no centro de São Paulo, o local é gerido pela Congregação das Irmãs Hospitaleiras, que tem convênio com a Secretaria Municipal de Saúde.
O estopim para a greve foi a demissão de uma enfermeira e uma psicóloga, em junho. Meses antes, a equipe divulgou uma carta contra represálias e em defesa das pessoas atendidas no complexo, relata uma das demitidas, Laura Shdaior.
Revoltados, usuários e movimentos sociais fizeram um ato com cerca de 50 pessoas nesta terça (15) no local. Sem resposta, decidiram “boicotar” as atividades. Cerca de 440 pessoas são atendidas por mês no Caps AD (centro de atenção psicossocial álcool e dorgas), diz a prefeitura.
“Enquanto as funcionárias não voltarem, nós também não voltamos”, diz Carlos Oliveira, 51, um dos atendidos.
Usuários também reclamam das condições de higiene e alimentação no local e relatam violência pela GCM (Guarda Civil Metropolitana) e circulação de drogas.
“Dá para usar até na cama”, diz Lucas Marcelo Cardoso, 27, que deixou as ruas há seis meses para tentar se afastar do crack. “Você janta com pombos em cima da mesa”, afirma.
OUTRO LADO
Em nota, a Congregação das Irmãs Hospitaleiras nega as acusações e diz que as demissões ocorreram “dentro do permitido pela legislação” e por motivos “de normalidade de qualquer serviço, empresa ou entidade”.
A prefeitura de São Paulo diz que acompanha o caso e que parte do serviço, como o centro de acolhida, está passando por readequações.
A prefeitura nega problemas de higiene e diz que funcionários estão tomando medidas para evitar a presença de aves no local.
Após o protesto, a secretaria de saúde informou que enviou uma equipe para conversar com os usuários do complexo e explicar sobre a importância do tratamento.
A GCM diz que atos de violência devem ser denunciados à Corregedoria.
Apu Gomes/Folhapress | ||
Carlos Oliveira, 51, paciente do Complexo Prates, protesta contra a demissão de duas funcionárias |