Passa da meia-noite. Enquanto boa parte da cidade do Rio de Janeiro adormece ou sonha, na divisa entre as favelas Baixa do Sapateiro e Nova Holanda, o som dos tiros violenta a noite de uma jovem de 16 anos – e de toda a sua comunidade.
“Olha como tá aquiâ€, comenta a menina pelo whatsapp, ao compartilhar um arquivo de áudio, com o som alto dos pipocos e rajadas, bem próximo à sua casa. “Tenho aula hoje, mas não consigo dormir.â€
Seriam tiros de traficantes ou de soldados? Naqueles instantes, ela avaliou que eram de soldados. Mas eles têm vindo de todos os lados. Na manhã de segunda-feira (3/11), duas pessoas perderam suas vidas, sendo uma delas um menino de 15 anos, em confrontos entre traficantes e soldados, e entre quadrilhas rivais, em locais distintos das comunidades.
“Os exércitos acabaram de entrar na minha casa e também na lajeâ€, comentou num chat de facebook um menino de 14 anos, enquanto ouvia os tiros disparados pelos soldados.
“Eu oro pra que aqui não tenha aquelas guerras de antes, porque nós aqui em casa sofrÃamos à beçaâ€, observou uma jovem de 18 anos, também moradora de uma área próxima à “Faixa de Gaza†entre comando vermelho e terceiro comando puro (TCP). “Pelo visto é bom aproveitar por enquanto porque estão contados os dias pra voltar tudo outra vezâ€, completou a jovem, temendo novos conflitos entre facções.
Nas últimas semanas, além dos rotineiros confrontos entre soldados do exército e traficantes, tanto nas áreas ainda dominadas pelo CV quanto nas áreas do TCP, uma guerra entre este último e a facção Amigos dos Amigos se instaurou na região da Vila do João. Relatos de moradores indicam que traficantes do Complexo do Caju estariam tentando tomar as bocas dos antigos aliados do TCP.
Sem falar nas frequentes “guerrinhas†marcadas por adolescentes inimigos do CV e do TCP, na qual adolescentes duelam a paus e pedras, em territórios hÃbridos da “Faixa de Gazaâ€, hoje patrulhada pelo exército, mas ainda um terreno de conflito. Com hora e data marcada, esses meninos doam a disposição e o sangue em conflitos que já terminaram com feridos e até mortos. Em seus celulares, esta semana, jovens exibiam como um prêmio um vÃdeo de um adolescente de outra facção, capturado e torturado, obrigado a dizer que amava um traficante inimigo, com o rosto todo machucado e um olhar desesperado, transparecendo o medo da morte.
Nesse emaranhado de domÃnios armados, sobrevivem 130 mil indivÃduos sob a incerteza da paz. Os rearranjos do tráfico pela cidade levaram os traficantes a se armarem novamente, em plena luz do dia, na iminência para reagirem aos inimigos, sejam eles os “alemão†ou os “periquitos verdesâ€, como foram apelidados os soldados.
Para entender o que está acontecendo no Complexo da Maré, leia também: A invasão da Maré