Repressão torna tráfico de heroÃna mais lucrativo; 98% da papoula é produzida em Estado onde alunos sumiram
Desaparecimentos minam plano de Peña Nieto de centrar governo na economia, e não no combate ao narcotráfico
RAUL JUSTE LORES ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO
Desde o inÃcio do governo Felipe Calderón, no fim de 2006, o México prendeu 26 dos 37 chefões dos sete maiores cartéis do paÃs. O número de homicÃdios caiu 15% nas principais áreas metropolitanas. A apreensão de heroÃna contrabandeada na fronteira cresceu 324% de 2009 a 2013.
O “momento do México” parecia completado pela habilidade de Enrique Peña Nieto, do PRI, que, desde que assumiu, no fim de 2012, aprovou 11 reformas econômicas –com apoio do PRD (esquerda) e do PAN (direita). Sua ideia era deixar o tema drogas em segundo plano.
Mas o desaparecimento de 43 normalistas, sequestrados por traficantes no Estado de Guerrero, escancarou os limites da chamada “guerra à s drogas”. Empreendida por Calderón, ela causou 60 mil mortes e foi constantemente elogiada pelos EUA.
“O consumo de heroÃna está em alta nos EUA, e o fechamento da fronteira, com muro, patrulhas e mais segurança, só faz aumentar o preço dessa droga. A repressão deixou o negócio ainda mais lucrativo”, disse à Folha Ioan Grillo, jornalista que escreveu “El Narco “” Inside Mexico’s Criminal Insurgency” [por dentro da insurgência criminosa do México].
Em Guerrero se cultiva 98% da papoula do paÃs, planta que é base da heroÃna.
Já o consumo de cocaÃna nos EUA está em baixa –o número de usuários caiu 40% de 2006 a 2012. Várias organizações criminosas que lutam pelo espólio dos grandes cartéis, mas são menores e não têm habilidade de controlar o tráfico nos EUA, buscam outras fontes de renda.
“Houve uma ruralização do crime nos últimos anos. Os novos grupos exploram cidades pequenas e o campo, lucrando com sequestros e extorquindo pequenos comerciantes”, diz o analista em segurança Eduardo Guerrero, da consultoria Lantia.
TEMPESTADE PERFEITA
Para aumentar a “tempestade perfeita”, nas palavras de Alejandro Hope, que dirige iniciativa para estudar a polÃtica de segurança do paÃs, houve uma mudança nas leis de venda de armas nos EUA.
Em 1994, o governo Clinton assinou lei que bania por dez anos a produção e venda de armas semiautomáticas para uso civil. George W. Bush não renovou a lei, e vários Estados na fronteira começaram a vender essas armas.
“Enquanto as drogas vão do sul ao norte, as armas começaram a fazer o caminho contrário”, diz Hope.
Há duas lojas de armas a cada quilômetro da fronteira, segundo a Universidade de San Diego, e 253 mil armas são contrabandeadas por ano para o México.
Segundo pesquisa do instituto Pew divulgada em agosto passado, para 79% dos mexicanos a violência é o maior problema do paÃs.
O presidente Peña Nieto ainda não visitou a região onde o ônibus dos estudantes foi interceptado por policiais e traficantes. O prefeito de Iguala, onde ocorreu o crime, teria ordenado a ação para impedir que os alunos protestassem em ato no qual a primeira-dama lançaria sua candidatura ao posto do marido.
O casal, já preso, tem ligações econômicas e familiares com o narcotráfico. Para analistas, a indústria da droga, após décadas corrompendo polÃticos, estaria elegendo os próprios representantes, “pulando intermediários”.
O governo federal repetiu várias vezes que segurança pública era um assunto dos Estados. Só após quatro semanas do desaparecimento, com passeatas diárias no centro da Cidade do México, Peña Nieto se reuniu com os pais dos alunos.
VIAGENS
O presidente decidiu manter suas viagens à China e à Austrália para as cúpulas da Apec e do G20, pouco depois de o ministro da Justiça anunciar que os estudantes tinham sido mortos e queimados.
As reformas aprovadas pelo governo demoram a demonstrar resultados. O PIB deste ano deve crescer 2,4%, depois de alta de apenas 0,9% no ano passado. Seis de cada dez mexicanos desaprovam a situação econômica.
Na Cidade do México, depois de seis semanas de protestos diários e de alguns atos violentos de grupos mais radicais, as passeatas se esvaziaram. Mas ainda há pichações pelo centro. “Foi o Estado” é a mais comum delas.