1º Encontro de Mulheres Antiproibicionistas reuniu minas de São Paulo, Campinas, Santos, Niterói e RJ no fim de semana passado
Por Coletivo DAR
Bruxas, curandeiras, usuárias, autônomas, libertárias, feministas, antiproibicionistas. “Nossos passos vêm de longe”, como dizem os capoeiristas angoleiros. Há tempos a criminalização das drogas é usada como pretexto para o controle da sexualidade feminina, para a moralização de nossos corpos, para as internações forçadas (antes manicômios, hoje comunidades terapêuticas) que colocam entre quatro paredes as “loucas”, “histéricas”, ou qualquer outro nome dado às mulheres “desviantes” dos papéis que lhes foram impostos.
Não à toa, antiproibicionistas e feministas vem tornando-se um corpo só já há alguns anos, em articulações expressas, por exemplo, nos blocos feministas das Marchas da Maconha, que a cada ano se espalham por mais cidades brasileiras e que, de ventre livre e cabeça feita, lembram que a proibição mata, mas que o machismo também.
Do processo de trocas e auto-organização entre essas mulheres nasceu o I Encontro das Mulheres Antiproibiconistas, que aconteceu dia 29 de novembro de 2014 no Rio de Janeiro, e juntou minas de São Paulo, Campinas, Santos, Niterói e RJ.
A ideia surgiu logo depois das marchas, com a proposta de fazermos juntas uma Cartilha da Usuária. E pra trocar ideia sobre seu conteúdo, e mesmo produzir juntas um conhecimento sobre a transposição das pautas de drogas e gênero, coisa ainda rara em material escrito, a gente resolveu se reunir sem as intermediações virtuais.
Quem olhasse pra baixo de algum dos andares altos da biblioteca parque, perto da estação central, veria um círculo de mulheres sentadas em cima de uma enorme foto do poeta Waly Salomão. Lá começou a conversa que durou 4 horas, e só terminou quando o espaço fechou.
Assunto não faltou. A ainda masculinização dos espaços que lutam pela legalização; a (falta de) autonomia de mulheres na compra e viabilização do seu consumo (muitas vezes é um homem que faz a ponte entre ela e a compra ou entre ela e o bolar um baseado por exemplo); a forma como mulheres que usam drogas são vistas e tratadas; e a medicalização feminina (as drogas estimuladas às mulheres são aquelas que alimentam o encaixe nos padrões a elas destinados. Tem que ser mãe, magra, feliz, bonita: antidepressivos, remédios pra dormir, pra emagrecer, etc.).
A luta contra a ingerência do Estado, da Igreja e de seus discursos sobre nossos corpos; drogas e a hiperssexualização do corpo da mulher; a guerra às drogas como o principal fator de encarceramento feminino e as condições dos presídios brasileiros; mulheres e a divisão sexual do trabalho no tráfico; a complexa relação entre algumas drogas e a violência contra as mulheres (claro, é sempre mais fácil culpar a substância); redução de danos, autodefesa e formas de proteção.
Esses foram alguns dos muitos temas que encheram a lousa que encontramos pra organizar os tópicos. E é só uma palhinha do que tá por vir. A ideia é ter a cartilha pronta em 2015, em formato virtual e impresso. O próximo encontro, aliás, ainda não tem local, mas já tem data. Muléres, reservem o 21 e 22 de março.
No nublado domingo do dia seguinte, a sensação era de que ali nascia mais uma parte desse processo construído há tempos, mas agora com outro nível de articulação, para um antiproibicionismo de fato libertário: aquele que não reproduza qualquer pingo de restrição à nossa liberdade enquanto mulheres; aquele que seja feminista. “Aqui se respira luta”, falou alguém, entre fumaças e vento na praia de Ipanema.