“Me contem, me contem aonde eles se escondem?
atrás de leis que não favorecem vocês
então por que não resolvem de uma vez:
ponham as cartas na mesa e discutam essas leis”
Planet Hemp
A seção Cartas na mesa é composta por opiniões de leitores e membros do DAR acerca das drogas, de seus efeitos político-sociais e de sua proibição, e também de suas experiências pessoais e relatos sobre a forma com que se relacionam com elas. Vale tudo, em qualquer formato e tamanho, desde que você não esteja aqui para reforçar o proibicionismo! Caso queira ter seu desabafo desentorpecido publicado, envie seu texto para coletivodar@gmail.com e ponha as cartas na mesa para falar sobre drogas com o enfoque que quiser.
Nesta edição, o historiador e ativista da Marcha da Maconha Recife Anderson Santos comenta o que considera uma falsa polêmica, a que divide em etapas distintas a defesa do plantio e da legalização da maconha. Para Santos, ambos pontos são parte da mesma luta contra o proibicionismo, que só terminará com a regulamentação do comércio.
Por Anderson Santos
Em primeiro lugar, deixo claro que a polêmica da qual trato sobre plantar ou comprar se remete a modelos de legalização. Em nenhum momento estou defendendo que as pessoas comprem ou plantem maconha, enquanto a legislação proíbe tal coisa. A discussão se remete a um momento em que o consumo e a produção da planta sejam legalizados. Esse esclarecimento óbvio, infelizmente, se faz necessário num país onde adolescentes são presas por simplesmente usarem camisas com imagens de uma planta.
Em segundo lugar, esclareço que não tenho nada contra quem defende um modelo de legalização da Maconha em que se tenha liberdade para plantar a própria maconha que se irá consumir. Assim como não tenho nada contra quem defende que se plante as próprias hortaliças. O problema é que não se combate um modelo de agricultura baseado no uso de agrotóxicos apenas pregando que as pessoas plantem o que vão comer. Isto simplesmente não é sustentável numa sociedade industrial onde mais de 80% da população vive nas cidades. Da mesma forma que não se combate o narcotráfico apenas pregando que as pessoas plantem a própria maconha. Esse modelo também não é sustentável.
Legal, que algumas pessoas plantem o tomate que vão consumir, mas nem todo mundo pode ou quer fazer isso, algumas pessoas precisarão comprar tomates. Assim como nem todo mundo poderá ou irá querer plantar maconha. E essas pessoas também precisarão comprar.
Plantar sua própria maconha pode até ser uma boa solução individual para algumas pessoas, assim como plantar tomates. Mas o plantio (para consumo próprio) de maconha não combate o Narcotráfico, assim como plantar tomates não combate o Latifúndio e o uso de agrotóxicos na Agricultura. O auto-cultivo pode resolver o problema de algumas pessoas, que disponham de área de plantio e tempo suficientes para se dedicar a isso, mas no modelo de sociedade urbana em que vivemos isso jamais será capaz de suprir toda a demanda por maconha. Isso para não falar de outras drogas onde a auto-produção é simplesmente impossível.
Por isso é totalmente ilusória a ideia de que com o auto-cultivo se está enfrentando o poder do Narcotráfico, já que para a imensa maioria dos usuários o auto-cultivo é simplesmente uma impossibilidade.
O que combate o Narcotráfico é a luta por outra legislação, que regulamente a produção, a distribuição e a comercialização da Maconha e de outras drogas.
O problema de parte do movimento antiproibicionista é fazer o debate voltado exclusivamente para o próprio umbigo. Por isso, que muitas vezes se vê essas pessoas reproduzindo discursos proibicionistas para defender sua causa individual como o slogan: “Não financie o Tráfico, Plante”. Ora, cara pálida! Quem financia o Tráfico é o proibicionismo. É ele quem obriga consumidores de uma planta que foi consumida ao longo dos séculos sem nenhum problema a terem que se relacionar com o crime organizado para poderem consumir a planta. Além do mais, o problema mais grave do proibicionismo não é você não poder plantar sua própria maconha. É justamente o fato de que ele gera uma cadeia de violência que atinge principalmente negros e pobres. O problema maior do proibicionismo é que ele serve de justificativa moral e legal para o controle militar das favelas e como uma das bases de legitimação para o encarceramento em massa e o extermínio da juventude negra e pobre. E esses problemas não serão resolvidos simplesmente pelo cultivo próprio.
O proibicionismo e toda a violência que advém dele, incluindo aí o Narcotráfico não é um problema individual. É um problema que afeta toda a sociedade, incluindo os que não tem nenhum contato direto com as substâncias proibidas. É por isso que soluções individuais, por mais belas que possam parecer, são insuficientes para solucionar o problema.
Não vejo nenhum problema, e sou até mesmo a favor, que a legislação permita TAMBÉM o cultivo próprio de Maconha. Mas enquanto for o Narcotráfico e não o Estado quem regulamenta a produção e o comércio de maconha e de outras drogas, o problema não se resolverá.
Portanto, a questão passa muito longe de plantar ou não plantar. Passa pela luta contra uma legislação proibitiva que causa graves problemas à sociedade, que gera violência e mortes. O proibicionismo é um problema social e soluções individuais além de serem incapazes de resolvê-lo correm o grande risco de desviar o foco daquilo que é central no debate.
Anderson Santos
Historiador, militante antiproibicionista e co-organizador da Marcha da Maconha Recife