O texto e o grito são de Indianara Sophia Fênix, em seu Facebook. Do mesmo jeito que continuarão faltando 43 entre nós e não descansaremos até reaparecerem os desaparecidos de Ayotzinapa e até que isso nunca mais se repita pois outros tantos e tantos seguem desaparecendo lá e cá , igualmente deve doer em cada um de nós a falta de cada uma das vidas listadas abaixo, vidas interrompidas por esse modo de pensar e viver que só pensa em dinheiro e poder, que só conserva a dor, como canta a rapper Issa Paz. Nos faltam 70, e já basta. Não passarão, Indianara, não passarão!
QUEM VAI CHORAR POR ELXS.
As 70 Travestis/Transexuais assassinadas em 2015
Essa madrugada agradeci por ser Puta,orgulhosa disso não me ofender em ser tratada como tal e não me tornar talvez a 71º vitima fatal de transfobia.
1 hora da manhã da madrugada de domingo pra segunda eu me dirigi à Av Presidente Vargas para pegar o ônibus 397 e voltar pra casa.Queria descansar pois como uma das idealizadoras do PREPARA NEM (projeto de cursinho preparatório com professores e universitários voluntários que visa preparar as mulheres e homens trans para o ENEM),queria estar hoje descansada.
Peguei o ônibus como de costume e em algum momento na Av.Brasil um grupo de rapazes subiu e notava-se que estavam embriagados,um vomitou,outro caiu.Esses rapazes falavam alto,gritavam,cantavam letras de funk sempre rebaixando a mulher,aquele modelo machista que vcs conhecem bem.Cada vez que descia uma mulher era acompanhada de comentários machista tipo:gostosa,ah se eu te pego,gostei,que delÃcia vc é,entre outros bem constrangedores.
Eu que estava com um boton com as cores do arco-Ãris e com as palavras travestis e transexuais em destaque,quando eles subiram automaticamente escondi esses sinais de orgulho lgbt e agradeci meu “status” de passável como mulher cis,escondia as mãos pra não perceberem o tamanho,pedia em pensamentos pra que uma “não passável” não entrasse nesse momento,pois não conseguiria ver uma irmã ser agredida e nada fazer,então ou seriamos 2 a apanhar e bater e talvez morrer. Eu só queria que o ônibus corresse o máximo pra eu descer em casa o mais rápido possÃvel em segurança com meus rottweillers.O motorista parecia ligado comigo em pensamento e começou a acelerar tanto que muitas vezes entre o medo do acidente que parecia inevitável e os homens cis opressores eu me via pedindo em pensamento ao motorista pra que acelerasse mais ainda.
Um dos rapazes foi pedir pro motorista deixar ele dirigir,enquanto eu via o ônibus esvaziar e me apavorava ainda mais,outras vezes quase desci no meio do caminho acompanhada de outras pessoas que desciam ,como quando duas senhoras com bêbe de colo desceram.
Nesse misto de terror entre os homens cis opressores e uma batida eminente, eu só temia ser “desmascarada” a qualquer momento.
Então quando o ônibus se aproximava de meu ponto de descida,eu disfarcei sem me levantar pra não denunciar que desceria,e em cima quase do ponto puxei a campainha e esperei pra levantar,o que fez o motorista arrancar de novo lentamente enquanto eu descia do veÃculo já em movimento,mas ainda foi possÃvel escutar todos os outros comentários que eles fizeram quando desci e um se aproximar da porta e gritar: -Te pago 100.
Então nesse momento enquanto muitas mulheres cis e trans se sentiriam ofendidas por serem tratadas por puta,eu me senti aliviada por minha profissão me ter tornado forte e orgulhosa de ser puta.
Desci e quase corria até em casa.A imagem de tatas outras assassinadas me vinha a cabeça e como não lembrar da jovem trans de 18 anos assassinada por policiais em SP.
Quando cheguei e ainda tremendo tive uma discussão forte com meu marido devido meu nÃvel de estresse e terror,o que fez com que ele fosse dormir em outro quarto.Eu só queria que o mundo ao meu redor silenciasse e que eu morresse dormindo
Então fui dormir para estar hoje no cursinho PREPARA NEM preparatório pro ENEM,outras 70 travestis/transexuais assassinadas no Brasil este ano não terão a mesma oportunidade.
POR MIM,POR NÓS,POR LAURA E POR TODXS:
1-Trans não identificada assassinada a tiros
2-TC 28 anos
3-Trans não identificada a esclarecer
4-Loren 28 anos facadas
5-Natália 21 anos tiros
6-YFOS 20 anos
7-Não identificada 28 anos facadas
8-Agata 23 anos estuprada e espancada
9-Keity 23 anos facadas
10-Lara 16 anos apedrejada
11-Trans não identificada 32 anos facadas
12-capitu 31 anos esganadura
13-Milena afogamento
14-Pata 35 anos estrangulada
15-Didinha 18 anos tiros
16-MHL 24 anos facadas
17-Carollina 20 anos tiros
18-Léo 26 anos tiros
19-Piu 25 anos tortura
20-Pandora 26 anos overdose
21-Trans não identificada a tiros
22-Stefanny tiros
23-Mikal Tiros
24-Bianca facadas
25-Job 46 anos tiros
26-Jean facadas
27-Bruna 47 anos espancamento
28-Regina 37 anos facadas
29-Bruna 15 anos tiros
30-Vitória 29 anos tiros
31-Bruna 20 anos espancamento
32-Vanessa 18 anos facadas
33-Debora apedrejada
34-Lotinha 44 anos-facadas
35-Bodinha-tiros
36-Patricia 27 anos -facadas
37-Adriana 22 anos-tiros
38-Bianca 22 anos-tiros
39-Trans não identificada -tiros
40-MLAR 13 anos -facadas
41-Bia 24 anos -facadas
42-Trans não identificada 17 anos
43-Sabrina 21 anos -tiros
44-Monique 43 anos-tiros
45-Ticiane 21 anos -tiros
46-Vandressa -tiros
47-JCPW 27 anos -tiros
48-Barbara Sodré 29 anos -facadas
49-Trans não identificada 25 anos-facadas
50-Priscila 23 anos-tiros
51-Regina -facadas
52-Trans não identificada -espancada
53-Trans não identificada-tiros
54-Trans não identificada assassinato a esclarecer
55-Karol 30 anos-asfixia
56-MDSS 21 anos-espancamento
57-Andreia 29 anos -tiros
58-Kelly 31 anos-facadas
59-Juju 25 anos-tiros
60-Trans não identificada 36 anos-facadas
61-Trans não identificada-estrangulamento
62-Kauane 35 anos-tiros
63-Trans não identificada-tiros
64-Bruna assassinato a esclarecer
65-Mara 22 anos-tiro
66-Trans não identificada -tiros nos olhos
67-Veronica 20 anos- facada
68-Gina 30 anos-tiros
69-Trans não identificada (25-30 anos) tiros
70- Laura 18 anos -tiros e espancamento de policiais militares SP.
Indianara Siqueira.