O desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, morador da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, completa dois anos nesta terça-feira (14) com uma pergunta ainda sem resposta: onde está o corpo?
Em entrevista ao UOL, a promotora de Justiça do MP-RJ (Ministério Público do Rio) Carmen Eliza Bastos de Carvalho, uma das responsáveis pela denúncia de 25 policiais militares da UPP (Unidade de PolÃcia Pacificadora) local, por tortura seguida de morte, disse não ver “nenhum sinal” de que a famÃlia de Amarildo conseguirá realizar o tão sonhado enterro. “Os réus não permitiram”, declarou.
A denúncia foi oferecida à Justiça pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público em outubro de 2013. Desde então, o processo corre na Justiça e um dos réus morreu após passar mal na prisão. Outros 11 continuam presos, entre eles o ex-comandante da UPP da Rocinha, major Edson Santos, e 12 respondem em liberdade.
Todos os réus já foram ouvidos em diversas audiências do julgamento, mas nem o MP-RJ nem as defesas ofereceram suas alegações finais. Segundo a promotora, o motivo da demora é a quantidade excessiva de requerimentos de diligências por parte das defesas.
UOL – Qual a avaliação que a senhora faz do andamento do processo desde a denúncia do Ministério Público, no fim de 2013?
Carmen Eliza Bastos de Carvalho – Esse processo está sendo mais demorado por exclusiva culpa das defesas [dos réus]. Desde que a fase das audiências terminou [em maio de 2014], estamos à mercê das sucessivas diligências requeridas pelas defesas. Quando a gente pensa que vai terminar e vai entrar em alegação final, algum advogado requer outra diligência. Estamos há mais de um ano só cumprindo esses pedidos. Há muito tempo, o Ministério Público está falando que nada impede o oferecimento das alegações finais. Há pouco tempo, por exemplo, o major Edson requereu que fosse juntado aos autos um inquérito que foi arquivado em 2013. Então tivemos que ir atrás disso, desarquivar, tirar cópias… Ou uma sindicância da PolÃcia Militar que a própria PM não estava achando. Quem está de fora pensa: ‘esse processo está tão demorado. Por que é que não termina se eles estão presos?’ Não termina porque eles estão requerendo sucessivas diligências. O Ministério Público está louco para oferecer alegações finais.
Como a senhora avalia esses pedidos das defesas?
Eu fico pensando que as provas são tão contundentes –e vem aà uma sentença que, espero, será condenatória– que vai culminar com a perda do cargo, em decorrência automática do crime de tortura. Eu só posso crer que seja nesse sentido ou que existe uma armação sendo montada. Agora todos os presos estão pedindo relaxamento de prisão por excesso de prazo, mas são justamente eles que estão dando causa. Só estamos aguardando as defesas permitirem que o processo continue.
O caso Amarildo teve grande repercussão nacional e internacional. A senhora acha que, de alguma forma, a denúncia de 25 policiais militares de uma UPP da zona sul do Rio causou impacto no projeto de pacificação do Governo do Estado?
O projeto não pode ser abalado pela conduta de um grupo especÃfico. A conduta criminosa desses réus não retrata a PolÃcia Militar ou o projeto das UPPs, que acreditamos ser exitoso e tem que continuar. Em anos e anos foi o único investimento em segurança pública mais concreto que o Rio de Janeiro viu. Ou seja, temos que continuar acreditando e não podemos generalizar. Mas é claro que, para a população, acabou desmistificando aquela crença de uma UPP com policiais pacificadores, próximos da comunidade. Acabou arranhando um pouco a relação de confiança.
A senhora acredita que existe alguma possibilidade de o corpo de Amarildo ser encontrado?
Olha, só se algum dos réus resolver falar. Hoje não vejo nenhum sinal disso. Eles tiveram inúmeras oportunidades para falar, inclusive para tentar diminuir uma pena por ter contribuÃdo com a materialidade [do crime]. Mas nenhum deles até agora falou. Já estamos no final do processo, deveriam ter falado. Mesmo convicta da morte, a famÃlia precisa enterrar o corpo. Aquele que perde um ente querido quer enterrar, para finalizar um caminho doloroso. Mas os réus não permitiram.