COLETIVO DAR
Rolou no dia 27/8 o segundo Mini Fórum de Educomunicação da Fundação Julita, que fica lá na zona sul de São Paulo, no Jardim São Luís. Olha só que da hora: o tema do debate era vícios – você consome ele ou ele te consome? Assunto complexo. O DAR participou do debate levando também suas inquietações sobre a adicção, dependência, fissura, seja lá qual for a melhor palavra pra definir o vício. .
Na introdução, as educadoras da Julita lembraram que a região do Jd. São Luís tem a necessidade de discutir esse tema de maneira mais profunda. O Jânio, coordenador pedagógico da Julita e mediador do debate, esclareceu ainda mais: a vontade era debater, sob vários pontos de vista, uma questão que a sociedade não discute e finge que não é com ela. “Precisamos deixar de apenas assistir o que acontece no mundo real. É muito fácil criminalizar”, disse, lembrando que os coordenadores da Julita sofrem resistência de alguns por oferecer comida e acolhimento a jovens que enfrentam problemas com seus vícios. “Tratamos essas pessoas com dignidade e queremos trabalhar junto com elas.”
Desde o início ficou claro que os vícios a serem tratados não seriam relacionados apenas às drogas ilícitas. E o jogo? Televisão e celular? Refricerveja e cigarro? E os remédios pra diarreia e depressão? Porra, até sexo vicia! Nessa pegada, passaram um vídeo chamado Meow, onde um gatinho acostumado com litros de leite passou a curtir Coca-Cola. Também um episódio brilhante do Porta dos Fundos que simula uma clínica de anônimos viciados em smartphone.
Como bem explicou Vitor, um dos jovens presentes (tinha umas 40 pessoas), na quebrada é só falar de vício que já rola um link direto com o estigma de maconheiro, cachaceiro, alcoólatra e cheirador. “A real é que não é bem assim.”Se ainda rolava alguma dúvida de que a molecada da quebrada tá agilizada e qualificada no debate sobre o uso de substâncias ilícitas, o estigma dos usuários e também sobre a relação da guerra às drogas com a criminalização da pobreza, o evento serviu pra mostrar o quanto essa rapaziada tá manjando do assunto.
E deixou no chinelo um falastrão que entrou no debate apontando dedos como se fosse um político americano no auge do proibicionismo: “Droga é droga. Ninguém a controla. Quem fuma maconha há 20 anos hoje é lesado. Parei com isso porque não queria ficar como uma samambaia”. Essas foram só algumas das pirações que um publicitário ex-usuário de crack despejou na galera. O foda é que ele tentou legitimar a sua visão com a desculpa de que era um ex-usuário que usava drogas pesadas desde os nove anos, chegou ao fundo do poço e conseguiu se recuperar. Enfatizava que era um sobrevivente. Não demorou pra molecada soltar o verbo.
“Então quer dizer que em todos os países que legalizaram a maconha as pessoas são lesadas?”. “A droga não é só questão de escolha. Tá além da gente e passa por muita coisa”. “O modo de vida da nossa sociedade é o pior vício que temos. Estamos fadados ao fracasso”. Teve até um mano chamado DDI, 19 anos, que citou Espinoza e seu estudo sobre a constituição do ser! “Quem é viciado em estudar não é visto como dependente. Rola muito uma questão de imagem também.”
CLAP CLAP CLAP rapaziada. Teve uma hora que o tal do ex-usuário ficou sem chão, perdidinho e entrando numa bad trip. Achou melhor ir embora antes de ouvir o que o DAR e o Coletivo Katu tinham pra dizer e somar no debate. Rolou também uma psicóloga antroposófica que falou umas coisas esquisitas, como “a droga gera uma falsa felicidade que o indivíduo não consegue sozinho”, mas ao menos se mostrou disposta a debater e rever sua visão sobre o vício.
E quem falou essa de que os vícios vêm pra preencher o vazio da humanidade? É lógico que toda existência carrega um vazio consigo, mas pera lá, tem muita coisa que consumimos para simplesmente buscar transcendência, como bem lembrou uma professora de biologia que tava lá. E isso é natural de qualquer ser vivo. Quem nunca viu aquele vídeo de elefantes, macacos, gorilas comendo amarula e ficando doidão? Geral quer chapar e não é só por conta da infelicidade não…
Mas certamente tem muito caso complicado de dependência. O DAR aproveitou e mostrou pra rapaziada um experimento que fizeram com ratos nos anos 80. De um lado, cientistas americanos usaram os pobres bichanos para comprovar que cocaína e heroína em excesso matam: colocavam um rato solitário em uma triste gaiola com duas garrafas d”água, uma pura e a outra com as duas drogas misturadas. O que o bicho fazia? Bebia a água com pó, ficava acelerado, se divertia sozinho, e quando terminava a fantasia bebia mais da água batizada até morrer.
Puta falta de sacanagem, falaí? Um canadense chamado Bruce Alexander também achou e resolver fazer o teste de outra maneira. Botou as mesmas garrafas d”água, o que mudou foi a gaiola: tinha brinquedos pros bichos se distraírem, além de companheiros, outros ratos e ratas, comida boa, enfim. O que rolou? Os animais praticamente ignoraram a água com drogas.
Foda né? Tem um texto e uma história em quadrinhos que explicam perfeitamente como o experimento se relaciona com nós seres humanos e mostra que uma das causas da nossa fraqueza perante os vícios não é a busca incessante pelo prazer, muito menos por conta de um cérebro já sequestrado pelas substâncias químicas. É dura e simples a resposta: a falta de conexão humana que nos leva a se afundar em alguma fissura.
Aproximando essa ideia da vida que acontece ali na zona sul de São Paulo: falta um olhar generoso, carinhoso e cuidadoso com quem sofre com as dependências. Mas o que rola na real é uma exclusão dentro da exclusão. Um pobre estigmatizado como maconheiro ou cracudo é isolado até mesmo pelos seus pares, que também tem um infinito de direitos sociais negados diariamente pelo Estado e acabam reproduzindo mais uma maneira de isolar um segmento que consideram “problemático”.
A molecada tava animada com o debate, mas infelizmente o tempo correu como o Bolt e terminou rapidinho. O Janio voltou a frisar que, se a Fundação Julita se esconder desse debate, não chegará a lugar nenhum. Ainda deu uma moral pro DAR. “Trazer o Desentorpecendo a Razão pela primeira vez aqui abalou nossas estruturas. Por isso chamamos de novo: para fazer o debate se desdobrar.”
Aliás, quem tiver na fissura de chamar o DAR para um debate em escolas, roda de conversa em quebradas ou apenas uma roda de beck mesmo, tamo aí!