Marcelo Rubens Paiva, Estadão
20 dezembro 2015 | 20:46
Juiz da 43ª Vara Criminal RJ absolveu usuário que plantava a própria maconha.
Num caso que tem se espalhado pelo Brasil, o de usuários-maconheiros que importam sementes, plantam em suas casas em estufas improvisadas, para fugirem da engrenagem do tráfico de drogas, e que é enquadrado como tráfico se pego pela polÃcia, mesmo que não ocorra a comercialização, dessa vez o réu RAFAEL preso em flagrante com 19 pés de maconha foi absolvido.
Jurisprudência?
A sorte do réu começou quando o caso caiu na 43ª Vara, do juiz titular, Rubens Roberto Rebello Casara.
Ele é um especialista e coordena a revista da EMERJ [Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro], cuja edição de outubro/novembro/dezembro de 2013 promoveu o seminário “Drogas – dos Perigos da Proibição à Necessidade de Legalizaçãoâ€.
Nela, Casara publicou sua palestra, um artigo de oito páginas: Convenções da ONU e Leis Internas sobre Drogas IlÃcitas: Violações à Razão e à s Normas Fundamentais.
Que começa com: “O proibicionismo [das drogas] atenta contra o ideal de vida digna para todos, na medida em que amplia a violência do sistema penal, reforça a crença no uso da força e da repressão para resolver os mais variados problemas sociais, propicia a corrupção de agentes estatais e não reduz os danos do consumo abusivo de drogas, sejam elas lÃcitas ou ilÃcitas.â€
Em sentença histórica, o juiz da 43ª Vara Criminal decidiu, na semana passada, segundo emporiododireito.com.br:
Encerrada a instrução criminal, não haÌ qualquer elemento probatoÌrio seÌrio a apontar que o material encontrado na casa do reÌu era destinado ao comeÌrcio iliÌcito de drogas (nesse sentido, o depoimento de Francisco, porteiro do preÌdio em que a droga foi encontrada, eÌ importante: não soÌ pelo que relatou como tambeÌm pela auseÌ‚ncia de menção aÌ€ presença de potenciais compradores no apartamento de Rafael). AliaÌs, para aleÌm de algumas conjecturas (apresentadas sem suporte firme em dados concretos) e dos “discursos de fundamentação preÌvia†(chavões e elementos discursivos marcados pelo “senso comumâ€, que demoniza qualquer acontecimento ligado aÌ€s drogas etiquetadas de iliÌcitas), incompatiÌveis com a dimensão probatoÌria que se extrai do princiÌpio da presunção de inoceÌ‚ncia (retratada na maÌxima in dubio pro reo: ou seja, que diante da auseÌ‚ncia de elementos probatoÌrios firmes, deve-se sempre optar pela versão mais favoraÌvel ao reÌu), nada estaÌ a indicar que os exemplares vegetais cultivados por Rafael (que, desde a fase preliminar, sempre afirmou que o cultivo era destinado ao seu proÌprio consumo, inclusive com finalidade terapeÌ‚utica) e apreendidos pelos agentes da persecução penal eram voltados (ou mesmo aptos) ao comeÌrcio de drogas iliÌcitas (frise-se, aqui, o caraÌter arbitraÌrio da divisão entre droga “liÌcitas†e “iliÌcitasâ€, ambas prejudiciais aÌ€ sauÌde individual daqueles que optam por consumir essas substaÌ‚ncias).
Dito isso, impõe-se reconhecer, desse jaÌ, que não haÌ prova adequada ao reconhecimento da hipoÌtese descrita na denuÌncia. Importante lembrar, ainda, que a uÌnica parcela do material apreendido proÌpria para o consumo não ultrapassava 41, 60 gramas de “maconhaâ€, quantidade insuficiente para sugerir que essa droga era destinada ao comeÌrcio ou aÌ€ obtenção de lucro. De igual sorte, ao contraÌrio do argumentado pelo MinisteÌrio PuÌblico, a existeÌ‚ncia de um “tecnoloÌgico maquinaÌrio destinado aÌ€ fabricação de entorpecentes†(fl. 171) não eÌ indicativo de comeÌrcio, mas tão-somente de cultivo e produção. Em mateÌria penal, por evidente, não se pode presumir contra o indiviÌduo.
Mas, não eÌ soÌ.
De fato, como alerta a combativa defesa teÌcnica, os oÌrgãos encarregados da persecução penal fracassaram no oÌ‚nus de demonstrar (alguns diriam, “carga probatoÌria†atribuiÌda aÌ€ acusação) que os exemplares vegetais apreendidos (dezenove peÌs crescidos e quarenta e cinco mudas) possuiÌam tetrahidrocanabinol ou que fossem viaÌveis ao consumo (aptos a produzir o efeito entorpecente). Assim, diante dos elementos trazidos aos autos, não haÌ como afirmar a violação do bem juriÌdico protegido pela norma penal que se extrai do artigo 33 da Lei no 11.343/06.
ImpossiÌvel, diante da auseÌ‚ncia de prova teÌcnica adequada, excluir a incideÌ‚ncia do artigo 28, § 1o, da Lei no 11.343/06 no caso em exame. Dito de outra forma: em razão da auseÌ‚ncia de prova teÌcnica, impossiÌvel afirmar que, no caso em exame, o acusado produziria “pequena†ou “grande†quantidade de drogas etiquetadas de iliÌcitas.
Registre-se, tambeÌm, a inadequação da afirmação contida na denuÌncia de que as plantas apreendidas eram “mateÌria-prima para preparação de drogasâ€, uma vez que “mateÌria primaâ€, por definição, são, aleÌm dos bens que se integram ao produto novo, aqueles que sofrem desgaste ou perda de propriedade, em função de ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, ou proveniente de ação exercida diretamente pelo bem em industrialização e desde que não correspondam a bens do ativo permanente. Assim, se eÌ verdade que a folha de coca eÌ mateÌria-prima para a fabricação de cocaiÌna, a planta Cannabis Sativa não eÌ mateÌria-prima aÌ€ fabricação da droga vulgarmente conhecida como “maconhaâ€.
Ademais, viola o princiÌpio da proporcionalidade punir com pena privativa de liberdade um indiviÌduo que, para fugir dos riscos gerados tanto pela “induÌstria da ilegalidade†quanto pela opção poliÌtica que aposta no modelo beÌlico de enfrentamento de um problema que eÌ, na realidade, de sauÌde puÌblica, opta por cultivar a substaÌ‚ncia que pretende usar.
Por todo o exposto, e tambeÌm por força do princiÌpio da correlação/congrueÌ‚ncia entre acusação e sentença, que impede a inovação judicial acerca dos fatos descritos na denuÌncia, julgo improcedente o pedido contido na denuÌncia para absolver RAFAEL com fulcro no artigo 386, inciso VII, do CoÌdigo de Processo Penal.
Sem custas.
ApoÌs o traÌ‚nsito em julgado, proceda-se aÌ€ destruição a substaÌ‚ncia apreendida, deÌ‚-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 15/12/2015.
Rubens Roberto Rebello Casara – Juiz Titular