O perfil social dos envolvidos no tráfico do atacado no Brasil não tem nada a ver com a figura do bandido morador de favela que existe no imaginário da população.
O perfil social dos envolvidos no tráfico do atacado no Brasil não tem nada a ver com a figura do bandido morador de favela que existe no imaginário da população. A única pessoa que circulou pelos dois mercados, atacado e varejo, foi o Fernandinho Beira-Mar, do Comando Vermelho [o traficante foi preso em 2002 na Colômbia, e havia construÃdo uma rede de contatos com guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia para comprar e exportar a droga pelo Brasil].
O pilar de sustentação dele era a corrupção, esse era seu mais importante instrumento para consolidar o poder na Rocinha e seus negócios
P. No livro você fala sobre a diferença entre a imagem construÃda pela imprensa sobre o Nem e a visão que os moradores da Rocinha tinham dele. Por que essa diferença?
P. Por que o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa baseada em São Paulo mas com presença nacional, não se consolidou no Rio de Janeiro?
P. As experiências do Uruguai e do Colorado, que legalizaram a maconha para uso recreativo, são positivas?
R. O Colorado, no seu primeiro ano da legalização da maconha, coletou 76 milhões de dólares em impostos, valor duas vezes maior do que o arrecadado com impostos sobre bebidas alcoólicas. Eles perceberam que há muito dinheiro a ser feito aqui.
Jornalista narra ascensão e queda de Nem, o ‘dono do morro’ da Rocinha
Desceu de lá com o apelido Nem, e acabou virando o dono do morro, “o mestre”, tema de funks e conhecido por andar com seu macaco de estimação, Chico-Bala.
Hoje, aos 40 anos, está detido em um presÃdio de segurança máxima no Mato Grosso do Sul, condenado a 16 anos e 18 meses por associação ao tráfico de drogas.
Pega principalmente dos anos 1980 à instalação da UPP (Unidade de PolÃcia Pacificadora), essencial para a narrativa sobre o traficante.
NO PORTA-MALAS
O noticiário não mostrava outra coisa na manhã de 10 de novembro de 2011. Lá estava Nem, o traficante mais procurado do Estado, encontrado em posição fetal no porta-malas de um sedã. Para evitar que a polÃcia o abrisse, o motorista havia dito ser cônsul honorário do Congo.
A imagem de assassino impiedoso, pensou o jornalista, não batia com a que Nem passara em suas poucas entrevistas. Nem com a que um morador da Rocinha transmitira, quatro anos antes, quando Glenny, turista no Rio, visitara a favela.
Foi ter com o próprio Nem. O traficante rejeitara diversos pedidos de entrevista desde que fora preso, mas topou o de Glenny.”Ainda não entendo por que decidiu falar comigo. Mas sei que uma vez que pessoas assim tomam a decisão de falar, falam muito”.
Falou por dois anos, em dez entrevistas, num total de 28 horas. A primeira conversa foi no inverno de 2012.
“Não era uma democracia”, diz Nem a Glenny, “mas ao mesmo tempo não era uma ditadura, porque eu sempre explicava meu raciocÃnio aos moradores comuns.”
Em pelo menos um aspecto de sua vida Nem se mostra muito violento: com suas várias mulheres. Uma delas conta que pediu a um vizinho que a ajudasse a fugir, com medo de ser morta pelo traficante.
Glenny quase justifica o ato: “Havia, de maneira tortuosa, um princÃpio por trás disso. Se surgisse a mais leve sugestão de que a namorada de um bandido estivesse envolvida com outro, isso traria uma mancha inadmissÃvel para sua honra”, diz o livro.
O tÃtulo em inglês, “Nemesis” (inimigo implacável), alude ao que Glenny vê como a nêmese de Nem: a polÃtica da UPP, quando começou sua queda. “Quando as outras favelas foram tomadas pela UPP, muitos traficantes fugiram para a Rocinha. E ele não tinha tanto controle sobre eles.”
O jornalista conta que, na cadeia, Nem tem refletido sobre a vida e diz que, quando for solto, não voltará a traficar.
“Ele não demonstrava, mas sei que esteve deprimido com a situação na Rocinha, a própria situação legal, problemas de famÃlia. Ele sempre pondera as implicações práticas e morais do que faz. Não toma sempre as decisões certas, mas reflete sobre elas.”
O sentido de uma história depende do ponto a partir do qual começamos a contá-la. É o que comprova “O Dono do Morro — Um Homem e a Batalha pelo Rio”,do premiado jornalista britânico Misha Glenn. O livro está destinado a figurar –ao lado de “Cidade de Deus”, de Paulo Lins, e “Cidade Partida”, de Zuenir Ventura– em qualquer lista que selecione as obras de referência sobre seu tema.
Nessa rica variedade de temas, destaca-se a composição biográfica de Nem. U, um primor de delicadeza e acuidade, mosaico de qualidades e contradições, um personagem hamletiano em busca de si mesmo no emaranhado da vida popular carioca.
O DONO DO MORRO – UM HOMEM E A BATALHA PELO RIOÂ AUTOR:Â MISHA GLENNY EDITORA:Â COMPANHIA DAS LETRAS QUANTO:Â R$ 54,90, 360 PÃGS
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