*Coluna da Ju Paula
Esse texto é a junção de vários relatos de pessoas que têm em comum o interesse pelo cultivo de cannabis, pelos mais diferentes motivos e com diferentes convicções. Pessoas que correm um grande risco, que podem ser criminalizadas e gravemente penalizadas, ou que até já foram processadas e/ou presas, pelo simples ato de plantar uma semente. Outras que decidiram fazer importantes e comprometedoras mudanças na sua vida, inclusive mudando de país, em virtude do direito ao cultivo e à liberdade, ou que tentam driblar de alguma maneira a legislação e falar de forma legal sobre o que ainda permanece ilegal, tentando criar uma cultura antiproibicionista e mudar as coisas a partir de baixo, já que de cima só saem leis e mais leis que não nos contemplam, tampouco nos favorecem.
Como sabemos e, conforme a Lei de Drogas (11.434/2006) vigente no Brasil, plantar maconha é crime:
Art. 2o Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.
Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.
Sendo crime, algumas pessoas que colaboraram com o texto tiveram seus nomes alterados para preservar sua identidade.
O que propomos com esse texto é uma reflexão sobre o cultivo, o absurdo que vivemos aprisionando seres humanos pelo cultivo de uma planta, a falta de informação e de acesso à informação a respeito do tema e outros tantos aspectos do cultivo, que acreditamos ser uma grande forma de resistência e de luta pela legalização e contra a guerra às drogas, a partir do olhar de pessoas que acreditam, que praticam e que defendem o cultivo. E que resistem.
Nelson, advogado, usuário recreativo e cultivador de cannabis
“Para muita gente, já é revolucionário descobrir que maconha se trata de uma flor. Nada mais, apenas uma flor in natura e fêmea, da espécie cannabis sativa. Não é erva, nem grama. Apenas uma flor.
Cannabis é mais segura para o consumo humano do que café e outras tantas frutas e flores presentes em nossa dieta. No entanto, centenas de milhares de pessoas estão, neste momento, enjauladas aqui no Brasil, em condições degradantes, somente porque possuíam flores.
Alguém ser privado de liberdade por consumir ou vender flores já demonstra que sofremos uma fraude: jurídica, política, social, econômica, etc… Não se respeita a dignidade da pessoa humana quando ela é privada de ter flores em sua dieta. Não é preciso demonstrar a injustiça flagrante de se caçar e enjaular alguém por quais substâncias consome.
Hoje é evidente que milhares de tropas não perseguem cannabis por fazer mal, mas por se tratar de remédio, acessível em qualquer lugar com sol, calor ou energia elétrica. Seus efeitos medicinais estão eclodindo por todo o globo, em tempos de mudanças legislativas significativas e acesso à informação. Fomos fraudados.
Sociedades carentes como as nossas na América do Sul, onde nos falta saúde pública e nos sobram doenças, veremos o fim da guerra e o início da paz, com a abundância medicinal que quem cultiva sabe. A natureza provê em abundância, sendo acessível e sustentável desde o cultivo mais simples, até com emprego da mais elevada tecnologia, como já se assiste na Califórnia.
Fim da guerra. Tempo de plantar e garantir o bem estar-terapêutico local.”
Maria Rita, psicóloga e usuária recreativa de maconha
“Cultivo sempre foi uma palavra bem distante do meu vocabulário. Nunca fui muito ligada com a flora, minha boa relação com a natureza sempre foi com a fauna: adorava os animais e achava os vegetais ok. Em casa, porém, sempre tivemos plantinhas da minha mãe, algumas samambaias, antúrios, violetas, comigo-ninguém-pode e várias outras.
Quando me mudei da casa de minha mãe, senti essa ausência e logo comecei o projeto cultivo. Aos poucos fui me identificando com as plantas, cresceu minha relação com a terra, as mudas, a rega e tudo mais.
Maconheira que sou, dar o primeiro passo para sair do lugar de consumidora em direção ao de cultivadora de cannabis foi, e ainda está sendo, um processo natural: as sementes chegam facilmente pelo prensado e são quase tudo que você precisa pra plantar. Foi o que eu fiz, comecei a plantar.
Plantei quatro sementes em dois vasos e fui acompanhando seu crescimento. As sementes brotam com facilidade e as mudas crescem rápido. Demora algum tempo até poder saber se a planta é macho ou fêmea e isso interessa muito porque só as fêmeas florescem.
É muito rico nesse processo a relação afetiva que vamos desenvolvendo com a planta. Plantar maconha não é só uma forma de driblar o tráfico, ter sua flor mais saudável e sem misturas pra consumir. Chega um momento em que você se preocupa com a planta, não quer mais saber apenas se é macho ou fêmea:quer cuidar dela. Plantar cannabis me fez repensar minha relação com a flora como um todo e me ligou mais à minha própria casa e às lembranças que tenho do lar onde morei com minha mãe por tantos anos.
Porém, nem tudo são flores mesmo quando o assunto é cultivo de maconha. Logo que a planta começou a crescer e as folhas foram surgindo, minha vizinha veio, curiosa, perguntando o que era aquilo que eu estava plantando. Foi a primeira vez que percebi que o meu cultivo também era um risco pra mim. Dei uma resposta genérica que não dizia nada e tratei de esconder minhas plantas da visão de curiosas e curiosos.
Fui pesquisar o cultivo indoor e até baixei o guia de cultivo do Growroom, mas o cultivo indoor exige alguma dedicação e investimento, além de espaço, diversas coisas que eu não possuía.
Minhas plantinhas acabaram morrendo, o que era de se esperar, sendo minha primeira tentativa de plantio. Mas o fato é que após isso eu não tentei mais plantar. Porque fiquei com medo. A única parte ruim da minha experiência com o cultivo de maconha foi a proibição deste cultivo, que me impediu de ser uma jardineira e me transformou em uma criminosa.”
Aparecida “Cidinha”, mãe e militante pelo cultivo e uso medicinal de cannabis
“Vivemos por 11 anos com todos os efeitos devastadores da síndrome de Dravet da Clárian, o que a impedia de ter a infância que era sua por direito, o que a impedia de sair, tomar sol, e de se comunicar com entendimento, o que nos impedia de ter uma vida social. A epilepsia tirou toda a infância de minha filha e nos proporcionou uma vida mais no hospital do que na nossa casa.
A busca pela cannabis começou em julho de 2013, quando em uma de minhas buscas por um alívio, vi o caso de Charlote Figi, com a mesma síndrome da Clárian. O antes e depois foi impressionante.
Eu tinha que testar um possível alívio pra minha filha, pois a síndrome de Dravet tem alto risco de morte súbita caracterizada pela intensidade da crise e não pela quantidade, onde uma crise pode ser fatal.
Importei ilegal apenas uma vez no início de 2014 onde paguei 500 dólares na seringa, na certeza de que eu não teria condições financeiras de dar continuidade, pois desde o início a nossa meta sempre foi cultivar. O cultivo sempre foi visto por mim e meu marido como um acesso com igualdade.
Conhecemos a rede secreta do RJ que doou o óleo para minha filha por 3 anos sem custo algum onde pudemos ver todo o benefício que essa planta trouxe a Clárian e a todos nós.
A cannabis era, de fato, o alívio que tanto busquei e não encontrei em nenhum alopático. O que era impossível na visão dos médicos foi se transformando e se tornando real, a minha filha estava tendo menos crises, passou a transpirar, pois não tinha sudorese, estava correndo, pulando, subindo escadas sozinha, formando frases dentro do contexto, enfim, minha filha estava, de fato, vivendo, interagindo com curiosidade e participativa. Nossa família renasceu junto.
Desde 2014 começamos a cultivar, mas as plantas morriam, pois não tínhamos experiência, mas ganhamos várias sementes e fomos plantando, como um treino.
Em 2015 eu e o Fábio fomos para o Chile, com ajuda do Cesece da Julita Lemgruber. Conhecemos a plantação de maconha da Fundação Dayae fizemos oficina de extração do óleo com Mama Cultiva.
E também fizemos uma oficina de extração de óleo no método Ice, gelo seco, (extração do óleo da cannabis) com a Abracannabis.
Nesses três anos recebendo o óleo doado não era justo pessoas se arriscarem para doar o óleo para minha filha e ficarmos na zona de conforto. No início de 2016 o Fábio fez o curso de cultivo com o Growroom, foi quando as nossas plantas começaram enfim a vingarem, crescerem e florescerem.
Em julho de 2016 o Dr. Emílio, Dr. Ricardo e Dr. João, todos da REFORMA, entraram com uma ação judicial pedindo autorização para o meu cultivo.
Pedimos para a juíza nos receber em seu gabinete para lhe explicar o caso da Clárian, fomos recebidos secamente, mas ao longo da conversa foi visível que a juíza se sensibilizou. E falei: excelência, não estou aqui para pedir para cultivar, mas sim para dizer que já estou cultivando e não me sinto criminosa por isso e irei continuar cultivando pois é o único remédio que traz a vida de volta à minha filha e a tira da zona de risco.
Vimos que a juíza se interessou, nos pediu documentos como evidências dos fatos, entregamos no prazo, mas estranhamente, alguns dias depois, ela disse não ser da competência dela, passando o caso para o juiz de pequenas causas. Dr. Emílio pediu que ela reconsiderasse, por se tratar de uma menina menor de idade e um tema polêmico, mas foi recusado.
Após isso entramos com o pedido de habeas corpus, assim como na ação judicial levamos todos os comprovantes de exames e relatórios médicos, terapêuticos, da escola, enfim, tudo que juntei ao longo do uso do óleo artesanal e a juíza, outra juíza, entendeu que eu e o Fábio cultivávamos para terceiros (minha filha), então caracterizava ‘tráfico’. Absurda essa interpretação com tantas evidências como provas.
E assim ela encaminhou para um juiz criminal da esfera policial, que julgava traficantes. O nosso medo não foi de sermos presos, pois sei que o Dr. Ricardo, Dr. Emílio e Dr. João estariam prontos a nos defender e que jamais deixariam uma mãe ou um pai na cadeia por plantar maconha para tirar a filha do risco de morte. Tivemos uma grande preocupação em acabarem com a nossa planta que, depois de meses, iria ser o remédio de nossa filha.
Mas para a minha surpresa, no dia 19 de dezembro de 2016, um dia antes do recesso do judiciário, recebi a minha liminar do juiz que, ao contrário do que se esperava, teve um olhar humano e de pai, nos concedendo a liminar no último dia antes do recesso para ficarmos protegido pela lei, deslocando um funcionário às 16h30 da tarde até o tribunal da Barra Funda para protocolá-la.
Foi inacreditável saber que esse juiz tenha sido tão humano, fazendo com que a justiça sobreviva. Foi o melhor presente de Natal que ganhamos.
E, após isso, foram nove meses sem saberem de quem seria a competência para julgar, tivemos audiência no Fórum da Sé. A verdade é que ninguém quis ficar com a batata quente na mão, então os promotores decidiram que, como caracterizava tráfico, iria voltar para a esfera policial.
E agora tivemos a nossa sentença com o direito reconhecido pela justiça, de fato, em poder cultivar a maconha na minha casa e extrair o óleo de minha filha.
É libertador saber que agora o alívio de minha filha depende somente de mim e de meu marido.
Mas esse direito não pode se resumir a privilégio somente de alguns, todos tem que ter esse direito. Que seja um direito democrático e sobretudo com igualdade. Somente o auto cultivo proporciona um direito com igualdade a todos e ainda com a possibilidade da busca da melhor resposta terapêutica .
Jamais pode ser um crime cultivar e salvar uma vida. Jamais pode ser crime cultivar e não alimentar o tráfico. Jamais pode ser crime cultivar para colocar a vida e o bem estar em primeiro lugar. Jamais pode ser crime cultivar para termos um acesso com igualdade.
Jamais pode ser crime cultivarmos os nossos direitos! Jamais a dignidade pode ser um crime! Não podemos baixar a cabeça e sim levantarmos a nossa voz pelo nosso direito e dignidade.Que todos tenham esse direito. A luta se fortalece!”
Profeta Verde, advogado, ativista da Marcha da Maconha e membro da ACuCa
“Nós da ACuCa entendemos que, nesse primeiro momento, tá muito difícil, improvável mesmo a gente conseguir liberar o cultivo recreativo. A gente avaliou que o cultivo cooperativo, que é o nosso sonho, com os clubes canábicos, é juridicamente inviável no Brasil por ora. A gente certamente sofreria processo de quadrilha, associação para o tráfico, essa palhaçada toda. Se formos pegos será terrível, todo mundo vai ser preso, muitos vão rodar numa condenação criminal. Mas o cultivo pessoal, individual, em casa, a gente já começa a ter brechas de jurisprudências dizendo que não é tráfico e sim uso. Você perde as plantas mas não fica preso, então a gente tem procurado amparar as pessoas que querem fumar uma maconha boa, cultivada, pra que elas cultivem no próprio quintal, no próprio armário, em suas casas.
E pra isso temos o quê? Um apoio jurídico, que não é necessariamente a gente conseguir uma autorização judicial pro autocultivo, como nos casos medicinais que já estão rolando, porque também ainda é muito improvável. É um apoio jurídico preventivo, no sentido de orientações de como se precaver para que não seja enquadrado como tráfico, para que, na hora de um eventual problema com a polícia, você saber se sair bem e terminar enquadrado como usuário. Ainda que você perca as plantas, pelo menos não vai preso.
Explicamos como justificar o cultivo como estratégia de redução de danos: uma maneira de minimizar os danos sociais do tráfico de drogas, do tráfico ilegal, e os danos pessoais decorrentes do uso de uma maconha de má qualidade fornecida pelo tráfico. Então a gente dá um amparo jurídico nesse sentido e também um amparo moral, ao integrar o cultivador com outras pessoas que estão no mesmo propósito. Trocamos técnicas, fazemos encontros e assim sentimos que a gente tá junto, que se um rodar, todo mundo vai estar junto até o fim.
Então esse é o apoio que a ACuCa dá hoje em dia, porque a gente vislumbra que é o possível no momento. A gente estuda entrar com um pedido para podermos fazer o uso recreativo, o cultivo recreativo, com licença judicial e tudo o mais. Mas isso é uma segunda etapa, mais pro ano que vem, talvez 2019, quando o contexto político estiver mais favorável.”
Verônica Gunther, usuária, cultivadora e militante pelo uso medicinal da cannabis
“Faz uns 20 dias que estou no Uruguai para lançar um projeto de estudo agroecológico com maconha, o GrowKnow.How. Esse projeto é para o Brasil e, claro, não foi feito lá porque seríamos presos por formação de quadrilha e tráfico. No Uruguai só temos um caminho um tanto trabalhoso para funcionar legalmente com o projeto na sua versão completa. Até lá trabalhamos de forma segura, porém contida, dentro da lei.
As pessoas envolvidas neste projeto são jardineiras há muitos anos. São pessoas que no Brasil já haviam aberto mão da convivência com família, amigos e sociedade pra viver em isolamento no mato, tudo isso por medo de cultivar em outros locais. Viver em isolamento por segurança porque cultivam uma flor. Que viver é esse?
Somos tão massacrados diariamente pelo caos nos noticiários e nas ruas que já estamos dopados perante a violência que o Estado nos submete no Brasil. Esse medo, essa guerra sem sentido, essas balas, esse sangue, essas algemas, essas manchetes que nos deixam de queixo caído e cabelo em pé todos os dias e as garras inconsequentes da lei nos expulsaram da nossa terra natal.
Me envolvi de verdade com a maconha há pouco menos de três anos, quando descobri que o óleo poderia ajudar na minha condição de saúde, uma cirrose criptogênica. No caminho que se seguiu por procura de óleo ou ajuda qualquer, tive a sorte de encontrar a Cultive,a Abracannabis, a ACuCa,o Coletivo DAR, a Marcha da Maconhae o inspirador e necessário Bloc Feminista. Foram esses grupos que me abriram os olhos para todo esse cenário de violência que, de certa forma, ocorre por debaixo dos panos.
Me envolvi mesmo, mergulhei de cabeça. De fazer curso gratuito de cultivo para pacientes a organizar o bloco medicinal na Marcha da Maconha de SP 2017. De levar clone e semente pra lá e pra cá até doar óleo pra quem sofria e não tinha dinheiro pra pagar. De acordar e gastar horas todos os dias para responder centenas de mensagens de pacientes com dúvida ou amigos com familiares doentes até bater boca em evento com pessoas que querem lucrar às custas do sofrimento dos outros. De abrir minha casa para receber reuniões, eventos e hóspedes que precisam do espaço para militar até gastar todos meus centavinhos pra ir aprender com outros ativistas nos seus estados e países. Fiz dentro da cidade tudo que poderia fazer, pelo tempo que aguentei – mas agora não aguento mais. Não aguento mais a loucura induzida que avassala os brasileiros hoje e ficar nessa engrenagem faz com que eu a alimente também.
No ativismo, alguns acham que mudar de país é virar as costas, mas pra mim isso também é resistência. Abrir mão da sua vida pra dizer NÃO ao governo. Não, você não vai me prender por leis estúpidas! Não, você não vai me impedir de estudar e pesquisar por motivos capitalistas egocêntricos! Não, eu me recuso a fazer parte desse sistema racista e sexista da bancada BBB – bala, boi e bíblia! Não, você não vai colocar suas garras corruptas em mim! E eu vou gritar daqui, do outro lado do muro, que existe vida e liberdade, sim! E tudo que eu puder aprender, assim que esse muro cair, eu volto pra entregar de mãos beijadas pra esse país que eu tanto quero ver crescer.
Tenho sorte com todos meus privilégios, eu sei. Branca, de classe média, com nivel superior e usuária com fins medicinais. Porém, é justamente deles que eu preciso tirar proveito para pressionar esta regulamentação – pra alguns os meus privilégios são chave para que haja o diálogo, para que a causa seja escutada. É só mais um caminho dos milhares que existem para conscientizar as pessoas e mostrar que maconha é só um planta e essa guerra é só mais uma mentira.
No fim das contas, resistência é isso: você faz o que você pode e, de preferência, não deixa de fazer.
Vejo tantos grupos ativistas brigando entre si, mesmo estando do mesmo lado da moeda. Mas não adianta querer que todo mundo milite igual, seja igual. Vamos lá, cada um puxa sua cordinha e na outra ponta todos estamos amarrados ao governo. Se puxarmos todos juntos o outro lado se despedaça. Só continuar puxando, sem pisotear o companheiro ao lado. Lutamos aqui pelo cultivo e educação, um grupo luta aí dentro da linguagem da justiça, o outro luta na Cracolândia dando suporte às vítimas dessa guerra, outro dá suporte aos pacientes e seus familiares, outros doam seus excedentes de sementes, clones e extrações, tem até aqueles que lutam pela indústria farmacêutica (pena que estes não enxergam o quanto são marionetes de forças movidas a dinheiro, mas são pessoas que, assim como nós, também precisam de maconha)…E assim vamos em frente ou pelo menos damos suporte a quem estiver necessitado do lado. O que não podemos é continuar aceitando simplesmente a realidade que nos impuseram.
No Simpósio Maconha – Outros Saberes, que ocorreu em maio na UNIFESP, Raull Santiago deu uma palestra de arrepiar. Fecho com uma citação deste guerreiro do Complexo do Alemão:
‘Essa é a nossa realidade. Vai falar sobre qualquer coisa é atravessado por tiro. Tudo com uma única desculpa: guerra às drogas. O que são essas drogas? Por que estão me matando por essas drogas? A gente precisa dizer não, mas não é pras drogas! É pras mortes dentro das favelas, não pra essa política de extermínio, não pra essa política de encarceramento de jovem negro. A partir da mira do fuzil de um policial, essa é a política pública pra dentro da favela.’
Eu me recuso a fazer parte dessa política pública. E do lado de cá grito praí: vamos plantar, sim! Vamos resistir, e vai mudar!”
*Juliana Paula é psicóloga, integrante daCraco Resistee do Coletivo DAR.