Por Malou Brito, do Coletivo DAR
“Vamo interná essa gentaiada toda porque dá a impressão que estamos resolvendo o problema taoquei?” (Atenção! Contém ironia, apesar do assunto ser muito sério). Essa é a noção que temos de diálogo entre os “detentores do poder” no DESgoverno atual. E assim revivendo tempos de outrora, vão surgindo leis, portarias, regimentos que invalidam totalmente o sujeito enquanto ser neste mundo e cidadão nesse país. E em 2020, o ano dos absurdos, surge mais uma portaria do inferno na terra. Uma porta que já estava fechada para o higienismo social.
Aportaria nº 69, de 14 de maio de 2020, traz recomendações gerais para a “garantia” de proteção social à população em situação de rua, inclusive imigrantes, no contexto da pandemia do novo Coronavírus. Essa mesma portaria orienta a internação da população em situação de rua em unidades terapêuticas, além de financiar serviços privados de acolhimento, o que consequentemente precariza e acaba por substituir os dispositivos da rede Sistema Único de Assistência Social “SUAS já existentes.
De 2017 pra cá entre todos os retrocessos, vemos a remanicomialização, a mercantilização e a privatização da saúde mental, sob uma perspectiva de higienismo social direcionada especialmente à população de rua. Mas entendendo que essa ideia das Comunidade$ Terapêutica$(CT$) são anteriores a essa política de drogas, essa portaria não tem nenhuma fundamentação teórica, acadêmica, nem ética. Para entender a falta de lógica dessa portaria podemos destacar algumas reflexões acerca do assunto:
De cara nos deparamos com o fato de que esse financiamento contribui para o desmonte da proposta pública do SUS e SUAS, enfraquecendo e deslegitimando ainda mais essas áreas que têm sido totalmente desconsideradas por esse DESgoverno. Porque não investir nos dispositivos públicos que já existem? Outro fato é que esse financiamento público vai contra as evidências científicas sobre o cuidado comunitário em liberdade e a importância da redução de danos, vai de encontro inclusive com a OMS e o que a ciência nos traz de mais eficiente. Falo das idéias de assistência em liberdade e de trabalho comunitário sob uma lógica territorializada, pautada na redução de danos. Outro fato é que as CT$ desconsideram as violações de direitos humanos apontados por inúmeros estudos que podemos encontrar facilmente no tio Google. Tem um estudo do Conselho Federal de Psicologia (CFP) junto com o Ministério Público Federal em 2017, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) junto com a secretaria de saúde do estado que comprovam inclusive situações análogas ao trabalho escravo nesses locais. Ao financiar essas instituições o Estado não só deixa de investir nos dispositivos públicos já existentes, mas ao repassar dinheiro público para instituições privadas que em grande parte violam os mais básicos direitos humanos, ele também legitima e reforça a lógica que elas aplicam.
Outro fato é que o grosso do financiamento público é inconstitucional porque a maioria das CT$ são de cunho religioso ou estão vinculadas a alguma instituição religiosa. Ué, mas o Estado não é laico? Ainda podemos falar da heterogeneidade. O foco da instituição estatal deve ser no fortalecimento de ações públicas, ainda mais neste momento de enfrentamento da crise econômica política e sanitária da pandemia onde o grosso do cuidado de enfrentamento está sendo feito pelo SUS e SUAS e pelas políticas sociais. Então as CT$ entram nesse lugar de reforçar e reiterar a própria deslegitimação e enfraquecimento desses dispositivos que estão na linha de frente de enfrentamento as questões da Covid-19.
Como tudo nesse DESgoverno tem perdido o crédito, não poderia ser diferente com o CONAD. Em julho do ano passado o DESgoverno resolveu intervir na composição do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas(CONAD) de forma a tirar dali as representações da sociedade civil. O CONAD, um conselho que desconsidera o que há de mais importante no debate da política de drogas no Brasil, é hoje um grupo de “amigos do governo”.
Para finalizar, a emenda constitucional 95 que congela os investimentos públicos de saúde, educação e etc, chantageia o nosso país. Só do ano passado pra cá o impacto orçamentário diminuiu mais de 20 bilhões da saúde, isso só da saúde, dinheiro este que seria muito bem vindo agora nesse momento de pandemia. Essa emenda – a chamada PEC do fim do mundo – deixou o Brasil com menos capacidade de enfrentar esse contexto e muito mais dificuldade de ampliar a atenção básica, a atenção de média e alta complexidade. Num contexto de congelamento de gastos, com 20 bilhões a menos de investimento em saúde, será mesmo que é válido investir dinheiro em instituições privadas?
Bibliografia
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-69-de-14-de-maio-de-2020-257197675
http://www.crpsp.org.br/portal/midia/pdfs/Relatorio_Inspecao_Direitos_Humanos.pdf
https://www.crpsp.org/uploads/legislacao/1644/4FwxwSNxtJWff0_FiGv1RwwW51dJIs-k.pdf
http://www.crpsp.org.br/portal/midia/fiquedeolho_ver.aspx?id=829